A cantora Fabiana Cozza lança “Urucungo” (Biscoito Fino), álbum que reúne canções de Nei Lopes: compositor, escritor, intérprete e um dos maiores estudiosos das culturas africanas no Brasil.
A ideia de gravar um projeto dedicado ao compositor, que completou 80 anos em 2022, veio a partir de canções que Fabiana recebeu de Marcus Fernando, produtor de Nei Lopes. “Quando resolvi ser cantora (eu era jornalista), o Nei foi uma bússola, um caminho, que orientou não só o meu cantar, mas o meu pensamento sobre cantar. Temos também um encantamento pelo samba desde muito cedo: fui um bebê que chegava na quadra do Camisa Verde e Branco pelos braços do meu pai”, pontua Fabiana Cozza, que ouviu mais de 30 canções para escolher as 12 do repertório final.
“Quando recebi o material foi um susto, fiquei desnorteada com tanta beleza e também porque se abriu ali um universo de muitos caminhos poéticos e muitas parcerias. O Nei tem o talento de trazer a linguagem coloquial para canções clássicas, atemporais, que vão passar de geração para geração, além de desfilar com maestria por diversos territórios do samba: partido alto, samba-canção, samba-enredo, jongo”, avalia a cantora paulistana.
Da parceria inspirada com Wilson Moreira, com quem lançou o icônico álbum “A arte negra de Wilson Moreira e Nei Lopes” (1980), Fabiana registrou quatro preciosidades: “Ré, Sol, Si, Ré”, “Quesitos”, “Senhora do Mundo” e “Dia de Glória”. Esta última tem a participação de Leci Brandão, na primeira dobradinha da sambista e compositora carioca com Fabiana Cozza. Já em “Quesitos”, é o próprio Nei quem divide os vocais com a paulistana.
“Pólen”, uma das duas únicas parcerias de Nei Lopes com Fátima Guedes, conta com a participação do violonista João Camareiro. “A Fátima já dá pra nós, intérpretes, a régua, o compasso e tudo mais. A canção fala do ofício do compositor com uma sofisticação enorme, do ponto de vista melódico e poético”, pontua Fabiana.
Parceiro de Nei Lopes em “Ofertório”, o maestro e compositor Francis Hime participa da gravação da canção ao piano. “Quando a canção chegou pra mim, foi uma surpresa. É uma parceria absolutamente deslumbrante, que traz a ambiência melódica do Francis e uma letra intensa do Nei”. Da dupla Guinga e Nei Lopes, Cozza escolheu “Jurutaí”, nascida de um tema que Guinga mandou para Nei Lopes escrever a letra.
Entre as mais românticas de “Urucungo” está “Alquimias” (Everson Pessoa e Nei Lopes). “Sempre achei o Nei Lopes um poeta muito romântico. Para este disco, escolhi canções que têm o amor como tema central, e eu gosto porque o Nei fala de amores que nem sempre dão certo”, avalia Fabiana. A faixa tem a participação da cantora Ilessi: “Ela é uma grande improvisadora e veio fazendo o contracanto, trazendo aquela linguagem que a Dona Ivone Lara fazia como ninguém”.
“Tela de bamba”, parceria de Nei Lopes com Dauro do Salgueiro, homenageia a Portela, que Nei viu desfilar pela primeira vez aos 10 anos, e que o fez querer fazer parte daquele mundo fascinante das Escolas de Samba. Já em “Não manda em mim”, Ivan Lins e Vitor Martins convidaram o compositor para escrever a segunda parte do samba que haviam feito. “Uma composição à moda antiga, de primeira e segunda”, como define Fabiana.
“Urucungo”, que dá nome ao álbum, foi escrita para um projeto do músico e compositor Marcelo Menezes, que propôs a Nei Lopes fazer um jongo em parceria. Do quimbundo, urucungo é um dos nomes para berimbau. “Marcelo foi o primeiro violonista com quem toquei no Rio de Janeiro. Tentamos respeitar o clima misterioso da canção e o curioso, e até poético, é que o berimbau foi o último instrumento a ser incluído”.
Nono álbum na discografia de Fabiana Cozza (terceiro pela Biscoito Fino), “Urucungo” foi dirigido por Henrique Araújo (cavaquinista, bandolinista), que também assina a produção musical junto ao percussionista Douglas Alonso. Ambos têm uma longa trajetória musical ao lado de Fabiana Cozza, tendo participado de praticamente toda a sua discografia.
A maior parte dos músicos e musicistas convidados para compor o álbum faz parte de uma geração que tem no choro e no samba sua principal matriz musical. “Isso delineia a sonoridade do álbum. Outra coisa que é fundamental: a maioria de nós carrega uma herança de um tipo peculiar de batucada que nasceu na Barra Funda, no Camisa Verde e Branco. Isso descortina uma vivência, uma tradição, uma memória e um saber musical que levamos para o álbum”, finaliza Fabiana.
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