Lançado em março de 1971, Aqualung marcou uma virada decisiva na carreira do Jethro Tull. Combinando críticas sociais, introspecção espiritual e uma sonoridade que misturava rock pesado com passagens acústicas, o álbum se tornou o mais vendido da banda — e um dos mais respeitados do rock progressivo. Mas, por trás de seu sucesso, há uma história repleta de tensões, mudanças de formação e gravações problemáticas.
Como em diversos casos na história da música, a concepção do disco foi tudo menos tranquila. A banda chegou a abandonar duas tentativas de gravação antes de chegar à versão definitiva. “Gravamos o álbum duas vezes. A primeira foi extremamente difícil. Descobrimos muitas falhas na nossa execução”, relembrou o tecladista John Evan. Após uma pausa nas gravações, veio a notícia de que tudo teria que ser refeito. “Ian me ligou e disse: ‘Estive ouvindo o álbum… está bem ruim. Vamos ter que fazer tudo de novo’.”
O perfeccionismo de Ian Anderson, vocalista, flautista e principal compositor da banda, foi um fator constante durante o processo. “Ian estabeleceu padrões muito altos para si mesmo e para a banda”, disse o guitarrista Martin Barre. “Quando tudo ficou pronto, só ficamos felizes por não termos nos matado no estúdio.”
O processo também coincidiu com grandes mudanças na formação. O baixista original, Glenn Cornick, foi demitido ainda nas fases iniciais e substituído por Jeffrey Hammond-Hammond, amigo de Anderson desde os tempos de escola. Para Hammond-Hammond, a experiência foi intensa: “Era nadar ou afundar, e acho que eu precisava de um Aqualung mais do que qualquer um. Achei que poderia ser minha primeira e última gravação.”
O baterista Clive Bunker, que deixaria a banda pouco depois, reconheceu a tensão criativa: “Ian havia virado uma esquina criativa, e nós não sabíamos disso. Ele não estava satisfeito com nada que fizéssemos.”
Mesmo com a atmosfera conturbada, o disco foi ganhando forma com canções que mesclavam temas sociais, existenciais e religiosos. Aqualung e Cross-Eyed Mary abordam a exclusão e a marginalização em Londres; My God traz uma crítica direta à religião institucionalizada; e faixas como Mother Goose e Wond’ring Aloud mostram o lado mais lírico e intimista do grupo.
Apesar de muitos o considerarem um álbum conceitual, os próprios músicos rejeitam essa ideia. “Para nós, era apenas um monte de músicas”, disse Barre. O produtor Terry Ellis, que reassumiu o controle após uma tentativa frustrada de Anderson de produzir sozinho, é direto: “Nunca vi o álbum como conceitual, porque eu sabia que ele não era.”
Para o arranjador Dee Palmer, que contribuiu com as orquestrações, a força de Aqualung está na sinceridade: “O todo é maior que a soma das partes. Seu impacto me surpreende até hoje.”
Mais de cinco décadas depois, Anderson continua a se emocionar com as músicas. “Não é sobre vender 12 milhões de cópias. É sobre o que elas ainda significam. Aqualung é uma música sobre pessoas sem-teto, mas mais do que isso, é sobre nossa reação a elas — culpa, desconforto, confusão. Ainda é relevante.”
E a relevância se estende a outras faixas, como Locomotive Breath, que abordava o crescimento populacional e a falta de controle diante das grandes mudanças sociais. “É esse trem desgovernado que não desacelera. E é onde estamos agora”, concluiu Anderson.
Com suas imperfeições e profundidade emocional, Aqualung permanece um dos discos mais importantes do rock britânico. Uma obra nascida do caos, mas que atravessa gerações com vigor e atualidade.
*Com informações via Loudersound