Kendrick Lamar e o Pulitzer: quando o rap é grandioso

A entrega do prêmio Pulitzer, no início da semana, ao rapper Kendrick Lamar, primeiro artista fora do jazz e da música clássica a receber a honraria, não me surpreendeu.
Várias vezes o rap é farra e gastação lírica, é verdade.
Outras vezes, no entanto, ele codifica uma poderosa interpretação/invenção poética e crítica da realidade feita por quem não costuma ter acesso privilegiado aos espaços institucionais e estabelecidos, onde se produzem os discursos validados socialmente.
Como um saber oral poderoso em forma de arte, o rap se equivale a estes espaços e torna-se um vetor de produção de exuberantes narrativas sobre a experiência humana, tal como a História, a Filosofia, o Jornalismo e, sobretudo, a Literatura. Mas uma Literatura das ruas.
Como História, o rap narra o movimento vivo das comunidades através do tempo.
Como Filosofia, o rap está distante do cânone grego, e próximo da ancestralidade afrocêntrica em que a narrativa se dá enlaçada ao ritmo. Aqui, o rap investiga o ser das coisas e as possibilidades de ação perante o dinamismo permanente da vida.
Como um jornalismo encarnado feito por quem vive os casos que relata, o rap é um grande cronista do cotidiano.
E tudo isso funciona a partir de um alegre encontro entre pensamento e arte, onde a palavra é recurso estético, o fazer literário é valor supremo e a rima é rainha majestosa.
O resultado deste encontro é transmitido através da potência expressiva da música, que comunica à razão e aos sentidos, e chega a milhões de pessoas que podem pensar sobre o mundo, conhecer a si mesmos, se emocionar junto com outros, se sensibilizar com as sutilezas da vida e se educar para a autotransformação enquanto dançam!
Por isso, não estranho a premiação de Kendrick Lamar, um dos que leva o rap a este patamar.
E há outros.
Como dizer que Mano Brown não é um intelectual e um poeta competente?
Como dizer que Black Alien não é um homem de letras?
Quem fez melhor do que Sabotagem a crônica da vida na metrópole contemporânea?
Como dizer que Rincón Sapiência e Emicida não são jovens escritores que estão pensando o Brasil e sua negritude?
Como dizer que Jay-Z ou Rakim não têm densidade poética e filosófica?
Como não admitir que a música e o rap podem ser tão sublimes quanto os melhores momentos da literatura e da filosofia?

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