Há duas semanas foi dada a notícia da morte de Lou Reed. Conhecido tanto por sua afiada poesia quanto por uma vida boêmia e cheia de excessos, muitos acharam que ele literalmente foi tarde. Outros (como eu) acreditavam que ele se tornaria uma espécie de imortal, sobrevivente de uma vida louca que chegaria aos 90 ainda contando suas histórias dos loucos anos, afinal, se não morreu de overdose ou suicídio, a senilidade parecia ser o destino que lhe restava. Ironicamente a noticia de sua morte chegou em um domingo de manhã, impossível não associar a primeira faixa do álbum seminal Velvet Underground & Nico: Sunday Morning. A letra da música diz Watch out, the world is behind you/ There’s allways someone around you/ Who Will call/ It’s nothing at all (Cuidado, o mundo está atrás de você / Há sempre alguém próximo de você / Que vai chamar / Não é nada); esse mundo atrás de Reed era sombrio, pesado, fielmente retratado em suas composições.
Nascido em 2 de março de 1942 no Brooklyn, Nova York, com o nome de batismo Lewis Allan Reed, tinha a cidade como o principal pano de fundo de suas narrativas musicadas, em especial o underground. De família judia, dizia, em sua tenra juventude que seu Deus era o rock n’ roll. Teve contato com o ritmo pelo rádio, e logo se iniciou no violão e na guitarra. Bissexual assumido desde a adolescência, ele foi submetido a um tratamento de choque pois seus pais, que acreditavam na cura gay. Essa experiência serviu de inspiração para a música Kill Your Sons. Ele fala no livro Mate-me Por Favor: “Eles colocam a coisa em sua garganta para que não engula a língua, e eles colocam eletrodos em sua cabeça. Isso é o que foi recomendado no Hospital Estadual Rockland para desencorajar os sentimentos homossexuais. O efeito é que você perde a sua memória e se torna um vegetal . Você não consegue ler um livro porque você começa a página 17 e tem que ir de volta para uma página de novo. “
Em 1960 Reed vai à Syracuse University onde estudou jornalismo, e posteriormente direção de cinema e escrita criativa. Seu professor foi Delmore Schwartz, que é considerado pelo compositor a primeira pessoa incrível que ele conhecera. Ele afirma que Schwartz quem o ensinou como com a mais simples e direta das linguagens você pode alcançar níveis impressionantes. A música European Son do debut do Velvet é dedicada a Schwartz.
Após exercitar sua verve de compositor como autor contratado do estúdio Pickwick Record, Reed se junta a John Cale, Maureen Tucker e Sterling Morrison e forma o Velvet Underground. A banda era apadrinhada por Andy Warhol, o papa da pop art, que assina a icônica figura da banana na capa do álbum. Foi por determinação de Warhol que a modelo alemã Nico, que não tinha experiência como cantora, se inseriu no grupo como vocalista. A banda aceitou a contragosto, mas o resultado foi surpreendente bom, a limitação vocal da alemã caía como uma luva na sonoridade da banda assumidamente contracultura. O Velvet nunca vendeu muitos discos, mas foi uma das bandas mais influentes na história do rock. David Bowie, Joy Division, Echo & The Bunnymen, Sonic Youth, New Order, The Smiths, Pixies, Yo La Tengo, The Strokes, todos beberam na fonte da banda novaiorquina.
A carreira solo de Reed também não trouxe grande êxito comercial, mas o reconhecimento foi inegável. Bandas e artistas que venderam muito mais do que ele lhe prestaram tributo ao longo destes 40 anos. Como exemplos, além de seu amigo David Bowie que produziu o que é considerado o melhor álbum da carreira de Reed, Transformer, temos o U2 que fez uma versão de Sattelite of Love, que saiu em single em 1992. Inclusive na turnê daquele ano, a monumental Zoo TV, Bono fazia um belo dueto com Reed no telão. Duran Duran regravou Perfect Day em 95, e dois anos depois a mesma música foi gravada por vários artistas (inclusive Bowie, Bono e Elton John, Brett Anderson do Suede, Dr. John, Suzane Vega) e ficou três semanas em primeiro lugar na parada britânica. A banda The Killers, em 2007 gravou em parceria com o novaiorquino a música Tranquilize, que saiu em uma compilação de lados B chamada Sawdust. Há ainda o disco Lulu, com a banda Metallica, desprezado por crítica e público, que foi seu derradeiro trabalho.
Lou Reed era um sujeito difícil, arrogante, irônico, sobretudo com a imprensa, mas era apenas uma espécie de mecanismo de defesa. Uma forma de se proteger das mazelas do mundo. Sua música fala exatamente sobre o medo, a solidão, a opressão e todos os efeitos colaterais da vida urbana moderna e do progresso da sociedade, perigos reais dos quais sentia necessidade de se defender. Reed era sincero, verdadeiro, suas músicas eram crônicas de seu cotidiano que continha de abuso de drogas e álcool a casamento com travesti. O eterno poeta do underground era uma peça de museu, originária de uma Nova York perigosa, porém pulsante, vivida e criativa, que não existe mais (talvez só na badalada área do Brooklyn, Williamsburg).
Lou Reed se foi. Sua partida foi tão poética que poderia ter sido tirada de uma de suas canções. Ele morreu nos braços da esposa fazendo a posição 21 do tai chi. A morte não o assustava, disse ela. Morreu em paz, a paz da qual gozava nos últimos dez anos. Ele afirmava que não era mais um sujeito perigoso, e sim o velhinho da fila do supermercado. Mas seu legado certamente continuará influenciando gerações de bandas inconformadas com a padronização do mercado mainstream, que desafiarão o status quo com muita microfonia, distorção e overdub.
Bem legal Cesar