No universo musical, a certeza se acampa no segundo disco. Ainda mais quando a estreia vem acompanhada de pechas do tipo: “grande promessa da MPB“, “vigor na moderna música brasileira“, “representante da criativa e idiossincrática nova geração da música brasileira“, etc, etc… Marcelo Jeneci e Cícero sabem bem disso e, com seus trabalhos inaugurais, conseguiram chamar a atenção de crítica e público, gerando um verdadeira burburinho (virtual ou não) para seus segundos álbuns, lançados agora. Ambos se assemelham tanto na expectativa, quanto na forma como seus trabalhos se impuseram no cancioneiro que tanto resvala pela sonoridade MPBzística quanto pela pretensão indie tropicalista (no caso de Cícero, com ressonâncias a la Radiohead).
Depois do elogiadíssimo primeiro CD “Feito Pra Acabar”, de 2010, onde foi catapultado para a fama e prestígio (já esboçado quando a cantora Vanessa da Matta gravou uma composição sua – Amado – sendo até tema de casal principal de novela das 8, em 2008), Jeneci entrou na melancolia do porvir, ao começar a pensar num próximo trabalho. Para que “De Graça” (sugestivo nome do novo CD) ganhasse vida, o cantor paulistano passou três meses do último inverno gravando o disco no Rio de Janeiro, com produção de Alexandre Kassin, o mesmo que o acompanhou no primeiro, e coproduzido por Adriano Cintra, atual Madrid e ex-CSS.
Em entrevistas, o cantor disse que já compunha pensando em shows e o resultado aponta para músicas mais solares, ainda que com a pegada lacônica do som que marcaria sua estreia. Jeneci costuma promover uma espécie de trajetória pessoal operística em seus discos, e em “De Graça” isso fica ainda mais claro: só dá para ouvi-lo em sequência única. O conjunto musical solidifica um universo próprio que passa pela pretensão, pelo épico, mas ainda assim com muita organicidade. A constante participação vocal graciosa de Laura Lavieri torna tudo um tanto lúdico. “Alento”, que abre o disco, representa a energia vigente com seu quê de Novos Baianos com bandas indies da Califórnia. A canção homônima, que dá título ao álbum, carnavaliza essa leveza, assim como a “Jovemguardista” “Nada a Ver” e a contagiante “Sorriso Madeira”. As composições de Jeneci continuam lindas e agridoces e é isso que justifica um trabalho tão ressentido emocionalmente, soar tão pulsante. Os arranjos de Eumir Deodato, tão incisivos (e deslumbrantes) no disco anterior, trazem clímax quase sensorial aos momentos em que o cantor troca o intimismo pela catarse (“9 Luas” é arrepiante). E tudo funciona bem, as vezes no limite da extravagância, mas sempre muito agradável e entusiasmante na noção do caminho que a música brasiliera vem trilhando com seus novos talentos.
Cícero surgiu com um dos mais belos primeiros CDs da música brasileira, o passional “Canções de Apartamento” (2011), que tirava graça de seu lirismo, em composições melódicas tão vigorosas quanto o diálogo que impunha com sua geração. O cantor diz que preparou seu segundo trabalho sem se preocupar com expectativas e fez um disco alinhado a isso. “Sábado”, nome escolhido, tem mesmo um clima de sábado à tarde, com arranjos sofisticados e com a melancolia ainda mais estilizada tanto na sonoridade quanto nas composições. O músico Silva (outro que deve estar envolto em questionamentos artísticos para um segundo CD, após boa e badalada estreia) também participou da construção do álbum, junto com Uirá Bueno (da banda Canastra), Bruno Giorgi e, seu principal parceiro musical, Bruno Schulz. É exatamente nessa tentativa de dissociação com o passado que o disco resulta reticente demais. Claro que a opção do cantor em não repetir fórmulas passadas é louvável, entretanto, essa busca empalideceu demais suas possibilidades. Sábado subtrai a habilidade de Cícero em fazer da melodia um encadeamento para suas interessantes elocubrações a cerca do amor, do outro e dos hiatos. É como se o cantor, buscando experimentações demais, acabasse encontrando auto-sabotagem. Mas por outro lado, o talento do cantor é maior que seus conflitos artísticos e a maioria de suas composições são assertivas, com trechos irresistíveis como:
“mas se o tempo der, posso avarandar seu tédio…”
E músicas de fortes pessoalidades como as ótimas “Capim-Limão”, “Frevo Por Acaso” e, a melhor do álbum, “Ela e a Lata”.
Marcelo Jeneci e Cícero, em linhas gerais, passam na prova do segundo trabalho e impõem a certeza de que a música só encontra alguma perenidade quando tornam ela um instrumento de seus universos e anseios artísticos. Foi assim com Caetano Veloso, Novos Baianos, Clube da Esquina, etc, etc…
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