Quem era adolescente nos anos 1980 sabe bem o que foi o fenômeno RPM. Não era exagero chamar a histeria causada pelos quatro rapazes de beatlemania à brasileira. E à frente disso estava o vocalista e baixista galã Paulo Ricardo, que com seu mullet (o must de estilo da época), era considerado o maior sex symbol do país. A maior parte do público que compareceu ao Qualistage, no Rio de Janeiro, na última sexta-feira (8) presenciou o auge da banda e, embora o show Paulo Ricardo XL seja um apanhado de seus 40 anos de carreira (incluindo períodos menos festejados do RPM e trabalhos solo), o mais aguardado era o repertório do clássico “Rádio Pirata ao Vivo”.
Claro, o ex-frontman do maior êxito do Rock Brasil não deixaria os grandes hits da banda de fora, mas, ao contrário do show que apresentou recentemente, reproduzindo fielmente o setlist da turnê que rendeu o multiplatinado disco ao vivo de 1986, aqui as faixas seguiram uma outra ordem. A música que abriu o show foi justamente um clássico, ‘Louras Geladas’, mais precisamente no famoso remix (quando não era normal no mercado brasileiro, aparecer um single remix promocional para rádios diferente da versão da música que era vendida ao público). O telão exibia imagens do vocalista desde a infância até a fase do estrelato e eis que entra o próprio trajando um sobretudo branco com ombreiras, fazendo um claro aceno à época em que era o maior popstar do país. Na sequência veio a música ‘Vida Real’, que o RPM gravou, em sua reunião de 2002 e ficou conhecida mesmo como o tema do Big Brother Brasil.
Também não tardou para que aparecesse uma composição recente. A terceira música apresentada foi ‘Herói Made In Brazil’, gravação de cunho político lançada no período eleitoral de 2022. Não se sabe se por não entenderem exatamente o teor da letra ou se pelo fato de não ser muito conhecida, não houve nenhuma manifestação do fla-flu político por parte da plateia. O repertório voltou ao RPM em dois momentos distintos: ‘Juvelinia’, da fase áurea, e ‘Pérola’, do período “Paulo Ricardo e RPM” (por conta de briga na justiça dos então ex-integrantes P.A. e Luiz Schiavon), de 1993, com influência do grunge. Nem mesmo o pouco vendido álbum de 1988 (visto pelos críticos musicais como incompreendido) foi deixado de lado, marcando presença com a faixa ‘Partners’.
O show também contou com participações especiais. As virtuais foram Rogério Flausino, do Jota Quest, parceiro da recente ‘O Verso’, e Renato Russo na versão acústica ‘A Cruz e a Espada’, em que o falecido vocalista da Legião Urbana aparece no telão em imagem estática e também, nos trechos em que assume os vocais, movendo os lábios por inteligência artificial (indisfarçável, por sinal). Já presencialmente estiveram, em clima de festinha improvisada, Milton Guedes, amigo e parceiro de composições de Paulo Ricardo, tocando sax na música ‘Só Me Faz Bem’, faixa do disco da fase romântica “O Amor Me Escolheu”, e Arnaldo Brandão, para executar duas faixas de sua autoria: ‘O Tempo Não Para’, famosa parceria com Cazuza, e ‘Totalmente Demais‘.
Covers foram consideravelmente numerosos. ‘London, London‘ contou com um acordeão gerado pelo sintetizador, que dava um tom mais regional à música de Caetano Veloso composta no exílio e que o RPM repaginou e transformou em um dos maiores hits dos anos 80. Mas, quando Paulo Ricardo disse antes de iniciar, que quando era novo, seu pai, que não era muito ligado em música, porém disse que ele precisava gravar “essa música”, não ficou claro se estava se referindo a ela ou a ‘Asa Branca’ de Luís Gonzaga que teve inserções logo no início e depois no final.
Outro cover famoso do repertório do RPM executado no show foi ‘Flores Astrais’, do Secos & Molhados, com os efeitos de luz semelhantes aos do show dos anos 80, e a imagem de Ney Matogrosso com a icônica maquiagem que teria “inspirado” o Kiss no telão. “Homem com H!” bradou o cantor ao final da música, fazendo referência à cinebiografia do ex-vocalista da banda dos anos 70, que era o diretor do show do RPM – daí os rapazes executavam a canção no repertório em sua homenagem. ‘Crazy Little Thing Called Love’, do Queen, ‘Like a Rolling Stone‘ de Bob Dylan (mas com uma levada mais próxima da versão dos Rolling Stones) e ‘Imagine’ de John Lennon também integraram o setlist, todas com participação de Milton Guedes, de volta ao palco. Houve espaço até para ‘É Hora de Lutar’, da trilha da animação da Dreamworks “Spirit: O Corcel Indomável”, que na versão em português Paulo Ricardo assumiu o lugar de Bryan Adams no vocal das músicas.
Na reta final da apresentação veio a viagem aos anos 80 com a trinca formada por ‘Revoluções por Minuto’, ‘Alvorada Voraz’ e ‘Rádio Pirata’. Na volta para o bis, Paulo Ricardo comemorou a pré-seleção do EP “Reinventar”, lançado neste ano de 2025, ao Grammy Latino, e encerrou a noite com megassucesso ‘Olhar 43’.
Agora cercado de músicos de apoio – ele e o guitarrista Fernando Deluqui são os dois sobreviventes do RPM e dificilmente retomarão uma parceria após entreveros judiciais -, procura recriar a mágica junto com seus companheiros de palco que conseguem proporcionar uma experiência sonora tão boa quanto (em alguns casos até melhor). Afinal, o dono dos ombros mais cobiçados do Brasil (exibidos à certa altura do show, ainda fazendo bonito do alto de seus 62 anos) não poderia se cercar músicos medianos para cuidar de seus clássicos. Um exemplo é o solo de teclado da instrumental ‘Naja’, que não fica nada a dever ao que Schiavon fazia ao vivo em 1986. Ciente de que precisa se apoiar nos sucessos do passado para vender ingressos, como todo artista veterano, Paulo Ricardo procura fazê-lo com dignidade e altivez.
Setlist:
- Louras Geladas
- Vida Real (tema do BBB)
- Herói Made In Brazil
- Juvelinia
- Pérola
- Partners
- O Verso (part. Rogério Flausino)
- Terra Brasilis
- Chega de Saudade (cover de João Gilberto)
- Só Me Fez Bem (part. Milton Guedes/sax)
- Dois
- Naja
- E Não Vou Mais Deixar Você Tão Só (cover de Roberto Carlos)
- Sonho Lindo
- A Um Passo da Eternidade
- Agora Eu Sei (Zero)
- Cheguei Pra Ficar
- London, London (cover de Caetano Veloso/snipet de Asa Branca de Luiz Gonzaga)
- É Hora de Lutar (do filme Spirit: O Corcel Indomável)
- Flores Astrais (cover de Secos & Molhados)
- O Tempo Não Para (part. Arnaldo Brandão)
- Totalmente Demais (part. Arnaldo Brandão)
- Crazy Little Thing Called Love (cover de Queen, part. Milton Guedes/gaita)
- Like a Rolling Stone (cover de Bob Dylan, part. Milton Guedes/gaita)
- Tudo Por Nada (part. Milton Guedes)
- Imagine (cover de John Lennon/part. Milton Guedes)
- A Cruz e a Espada (part. Renato Russo)
- Revoluções por Minuto
- Alvorada Voraz
- Rádio Pirata
- Bis: Olhar 43
* Foto: Dantas Jr.








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