Logo após anunciar o fim do Pink Floyd, acabando com o sonho dos fãs brasileiros que nunca puderam ver um show da banda inglesa (só de Roger Waters), David Gilmour lançou seu novo trabalho solo “Rather That Lock” (Sony Music/2015), o primeiro em quase uma década; seu último trabalho foi “On Na Island”, de 2006, e quatro anos depois, em 2010, veio uma colaboração com The Orb, “Metallic Spheres”. Embora queira se desvencilhar da banda de rock que o tornou famoso, Gilmour certamente tem consciência do quão indelével é o estilo que criou para o Floyd e que consequentemente carrega para seus trabalhos solo.
O álbum já abre com a floydiana ‘5 A.M.’, uma suíte instrumental que nos remete a ‘Shine On You Crazy Diamond’ do disco “Wish You Wer Here”.Curiosamente, o título da faixa apresenta semelhança com uma outra, do primeiro álbum solo de Roger Waters logo após sua turbulenta saída do Pink Floyd, “The Pros and Cons of Hitch Hiking” . A faixa se chamava ‘5.01 A.M (The Pros and Cons of Hitch Hiking PT. 10)’. Também há ecos floydianos na bela ‘A Boat Lies Waiting’, com uma pegada da fase da retomada da banda nos álbuns “A Momentary Lapse Of Reason” e “The Division Bell”, quando o guitarrista era o líder isolado e principal mente criativa, sem a sombra manda-chuva de Waters. ‘In Any Tongue’ e as instrumentais ‘Beauty’ (belo contraste da guitarra de Gilmour com o piano de Roger Eno) e ‘And Then’ seguem essa mesma linha. Podiam ser sobras de estúdio de um dos discos citados.
‘The Girl in the Yellow Dress’ traz o guitarrista se aventurando pelo jazz, gênero que lhe é caro, pelo que se pode notar em trabalhos anteriores e até mesmo no próprio Pink Floyd. A parte interessante é quando o piano emula as peculiares notas de guitarra de Gilmour. E, claro, há ‘Rather That Lock’, faixa título escolhida para ser o primeiro single por seu potencial radiofônico. De fato é a música do disco com maior apelo pop.
É magnânima a disposição de David Gilmour de continuar ativo ao invés de se deitar sobre os louros do passado. Mas, assim como Paul McCartney, ele era a metade musical/melódica de uma dupla de composição imbatível e não há como dissociá-lo dessa engenharia sonora. Ouvir a Stratocaster blueseira, afiada e reverberante e não lembrar da fase Pink Floyd, mesmo que seja a última, é inevitável. Mas aquele tempo já passou, e Gilmour, apesar de executar músicas de sua banda mais famosa nos shows, faz questão de reiterar isso.
“Rather That Lock” é um álbum que segue a proposta de David Gilmour pós-Pink Floyd: classudo, melódico, muito bem produzido e, na medida do possível, fora da irresistível zona de conforto. Em dezembro os brasileiros poderão conferir o trabalho ao vivo, além de alguns sucessos do Pink Floyd, nos shows que o guitarrista fará por aqui.
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