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Rolling Stones: Exile on Main Street

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Em 1967 os Rolling Stones lançaram um disco que seria sua resposta ao “Sgt Pepper’s Lonely Heart Club Band” dos Beatles que saíra alguns meses antes: era “Their Satanic Majesties Request”, uma incursão dos cinco rapazes de Londres pelo som psicodélico que fez com que os beatlemaníacos reforçassem a tese de que Mick Jagger e cia copiavam tudo que os quatro de Liverpool faziam com pioneirismo. Their Satanic por ter sido lançado tão próximo ao album dos Beatles e ser acusado duramente de cópia barata(pois até as capas eram similares), acabou sendo severamente criticado pela crítica e desdenhado pelos fãs, fora um fracasso de vendas e até hoje eles não executam músicas desse disco no palco (a última vez que desencavaram uma música do álbum foi na turnê Steel Wheels de 1989 em que tocavam “2000 Lightyears From Home”). O disco não era de todo ruim, tinha até momentos de brilhantismo se ouvido posteriormente e evitando comparações, mas o Sgt Pepper’s dos Stones  viria dali a cinco anos.

O ano era 1971. Os Beatles não existiam mais e os Rolling Stones se autoentitularam a maior banda de rock do mundo. De fato eram, não tinham mais a sombra dos fab four lembrando ao quinteto que eles eram apenas coadjuvantes de luxo na festa do rock britânico. Eles agoram eram os protagonistas e haviam acabado de lançar o excelente “Sticky Finger”, primeiro trabalho gravado no selo Virgin, depois de passarem toda a década anterior na London. Apesar de estarem reinando sozinhos na cena rock da época e de estarem em seu auge criativo, a a banda passava por um momento dificil financeiramente, depois de anos sendo roubados por um contador picareta e com uma administração amadora. Para sair do vermelho, o guitarrista Keith Richards teve a ideia de gravar um álbum, sair em uma longa turnê, conseguindo fundos para, assim, deixarem as contas em dia. A primeira parte do plano era escapar do rigoroso fisco inglês, então Richards alugou uma casa no sul da  França  que serviria de moradia e de estúdio ao mesmo tempo, e há quem diga que se as paredes daquela casa falassem revelariam histórias mais escabrosas do que as vistas no documentário proibido Cocksucker Blues.

Com o título provisório de Tropical Disease, o disco ganhou o nome de “Exile On Main Street” porque Richards se considerava exilado por estar sendo forçado a fugir dos altos impostos que devia em seu país. O álbum  foi concebido em meio ao caos, da composição das canções às gravações tudo foi em excesso: sexo, drogas, bebedeira, o que era natural na época em se tratando de bandas de rock. O cronograma não seguia nenhum rigor, Richards que era o cabeça do projeto passava a maior parte do tempo completamente chapado, Jagger também parecia não levar o projeto nem um pouco a sério, eram constantes suas escapadas para se encontrar com a então namorada Bianca, com quem veio a se casar logo em seguida, tanto que a concepção Exile pode ser, na verdade , atribuida a Richards (ele compôs quase tudo sozinho e não apenas Happy).

A mansão era um pandemônio, mais parecia uma sociedade alternativa, não só os membros da banda moravam ali, mas os músicos de apoio, as esposas, as namoradas, as groupies, os filhos, os fornecedores de drogas. Logo após, as gravações foram finalizadas em Los Angeles. Mas os excessos e a falta de organização não impediram que surgisse uma das maiores obras primas do rock n’ roll; tudo se encaixou perfeitamente, o disco trazia tudo o que influenciou a sonoridade do grupo, estão ali o Boogie, o Folk, o Blues, o Rythm n Blues, o Soul e até Gospel. Os deuses do Rock sorriram de orelha a orelha. A banda estava afiadíssima: as guitarras de Keith Richards e Mick Taylor funcionavam como vasos comunicantes (o que Richards conseguiu desenvolver com seu parceiro seguinte Ronnie Wood), o baixo de Bill Wyman sempre seguro, apoiado pela marcação precisa e as características viradas de Charlie Watts. E Jagger está cantando com uma dramaticidade vocal que depois nunca mais conseguiu reproduzir. Também merecem destaque os excelentes músicos de apoio, especialmente os tecladistas Ian Stewart (o sexto Stone como era conhecido, falecido em 1985) e Billy Preston, que também trabalhara com os Beatles nos últimos três trabalhos (falecido em 2006).

O conceito da capa refletia a guinada vanguardista, criada e fotografada por Robert Frank, trazia em sua parte frontal uma colagem de figuras bizarras como aquele homem com três laranjas na boca, e a parte de trás, colagem de fotos tiradas dos integrantes da banda que captavam momentos de forma peculiar. As músicas tinham uma poesia niilista que refletia os tempos bicudos vividos pela banda naquele momento. Desilusão, vida bandida, angústia, sensação de desamparo, desepero, luta por sobrevivêcia, busca pela redenção, isso era o que constava na pauta que permeava as dezoito faixas do vinil duplo que está sendo relançado com pompa e circunstância pelo catálogo da atual gravadora dos Stones, a Universal. Se hoje “Exile On Main Street” é visto como um dos mais importantes discos da história do rock, no seu lançamento  as opiniões divergiram: uns estranharam, outros torceram o nariz, alguns críticos foram impiedosos e levou tempo para que o álbum fosse digerido. O formato meio ingrato de vinil duplo e a ausência de um hit de fácil assimilação como Satisfaction só dificultaram a aceitação e as vendas não chegaram a impressionar. A turnê, no entanto, foi um sucesso e as contas entraram nos eixos. E o tempo fez justiça com as pérolas do álbum como Rocks Off, o rockão que abre os trabalhos, Tumbling Dice, talvez a que mais se aproxime de um hit, Happy, com keith Richards nos vocais e Shine a Light, que dá nome ao filme relizado por Martin Scorsese em 2008.

O  relançamento especial vem em três versões: apenas o disco remasterizado, uma versão dupla com faixas inéditas e sobras de estúdio, e uma versão super deluxe com o cd, vinil, o cd de bonus,  um documentário de 30 minutos com cenas tiradas do cocksucker blues, o Ladys And Gentlemen …The Rolling Stones (registro daquela turnê) e o documentário Stones In The Exile, além de um livro de 50 páginas. Pacote para fã nenhum botar defeito. Das faixas bônus apresentadas no disco 2 algumas já eram bem conhecidas dos fãs que baixaram as várias sobras de estúdio da banda nos anos 70, entre elas, Good Time Women (na verdade uma primeira versão de Tumbling Dice) que já é velha conhecida. O brilho mesmo está todo naquelas mágicas dezoito canções de uma genialidade que os Stones não conseguiram mais sequer se aproximar, uma obra prima que nasceu por acaso, não foi concebida com o intuito de mudar a história da música como Sgt Pepper’s. Depois dali, a banda se alternou entre bons momentos e trabalhos medíocres, Exile fecha com grandes honras a fase brilhante do grupo, que mostrou ali que o título de maior banda de rock do mundo não era mera pretensão.

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