O documentário “The Beatles: Get Back” revelou uma série de coisas sobre aquele janeiro de 1969 “dos Beatles”.
Momentos íntimos da banda, a criação de canções (hoje) clássicas e até mesmo a luz sobre alguns personagens que passaram despercebidos por décadas, foram algumas das revelações feitas pela série de Peter Jackson.
Dentre esses personagens, o roadie/amigo Mal Evans e os policiais que foram até a sede da Apple para encerrar o que seria a última apresentação dos Beatles, são alguns dos mais destacados.
A Revista Ambrosia conseguiu falar com um dos policiais e saber alguns detalhes daquele 30 de janeiro de 1969 e muito mais, até mesmo sobre o Brasil.
Um ex-anônimo
Ray Dagg — que, curiosamente, tinha como “companheiro de cena” um outro policial chamado Ray (Shayler) — tinha apenas 19 anos em 1969 e não poderia imaginar que, mais de 50 anos depois, seria lembrado, conhecido e procurado por pessoas de todo o mundo.
— Eu praticamente esqueci daquele dia até que, uns dois anos atrás, Peter Jackson e sua equipe me procuraram para saber de algum detalhe daquele episódio. Até então, poucas pessoas sabiam que eu tinha estado lá — disse Dagg, em entrevista por vídeo com a Ambrosia.
Hoje, aos 72 anos, aposentado e vivendo em Warwick, uma vila da cidade de Warwickshire, perto de Birmingham, Dagg, acabou se tornando uma celebridade na região.
— As pessoas da minha vila estão contentes. Agora, todo mundo sabe onde ela fica — disse, bem-humorado.
Para quem nunca foi a Londres, passeou pela Rua Savile Row (onde ficava o prédio do escritório dos Beatles) e tinha assistido apenas ao filme “Let it Be” (dirigido por Michael Lindsay-Hogg, outro personagem do documentário “Get Back”, e que foi lançado em 1970), ficava a impressão de que a polícia demorou muito para chegar até a sede da Apple para acabar com a “bagunça”.
— Demoramos uns 3 minutos para chegar na Apple. A delegacia fica perto, no fim da rua, que é pequena, e quando chegamos lá já encontramos alguns outros policiais no local — revelou Dagg.
Mas, afinal, o que disseram na delegacia antes de mandá-los (os dois Rays) para o escritório dos Beatles?
— Eles me disseram apenas para “ir lá e acabar com o barulho”. O trânsito estava parado na rua, na região e em várias partes do centro de Londres por conta do número de pessoas que estavam paradas ouvindo o show e bloqueando o tráfego — contou.
Disseram a vocês que o “barulho” eram os Beatles?
— A gente sabia que eram os Beatles. Geralmente as reclamações eram sobre eles e dava para ouvir o som da delegacia — disse Ray.
Ameaça de prisão
Ao chegarem na Apple, os dois Rays, como pode ser visto tanto no filme “Let it Be”, quanto no documentário “Get Back”, foram sendo “enrolados” para, quem sabe, perderem a paciência e acabassem terminando com a apresentação prendendo os Beatles.
Os dois foram filmados no lobby do prédio por uma câmera que, segundo Peter Jackson era a “pior câmera escondida de todos os tempos”, já que todos podiam ver que ela estava lá, atrás de um espelho.
— Eu vi a câmera atrás de um espelho e pude ver um gravador sobre uma mesa. Eu até virei para o outro policial (Ray Shayler) e avisei para ele se comportar da melhor maneira possível, pois estávamos sendo filmados. Conversamos com algumas secretárias e falei para o Mal Evans, o rodie deles, que eles tinham que diminuir o som. Primeiro, achei que eles estavam no estúdio com as caixas de som viradas para a rua. Só depois soube que eles estavam no telhado. Pediram para tocar mais uma música e, então, pararam — lembrou Ray.
Mas, fica a questão: existia mesmo a possibilidade de prender os Beatles?
— Não, era um blefe. Seria preciso uma ordem judicial, até mesmo porque eles eram MBE (Membros do Império Britânico) e quem recebe essa condecoração não pode ser preso sem a autorização de um juiz. Além disso, distúrbio da paz é (ou era) alvo apenas de multa — explicou o ex-policial Dagg.
Episódio irrelevante?
Após contar que nunca recebeu nenhum tipo de cachê pela participação no filme “Let it Be” ou no documentário “Get Back”, Ray revelou que o episódio não foi algo marcante em sua vida até recentemente e que nunca pensou que ameaçar prender os Beatles poderia ajudar ou prejudicar a sua carreira na Polícia.
— Foi um fato totalmente irrelevante na minha vida. Um exemplo é que nunca mais vi ou falei com o outro policial depois desse dia. Ele foi transferido para outra delegacia e nunca mais nos falamos — confessou Ray.
Apesar de considerar o episódio “irrelevante”, Dagg contou que assistiu ao documentário e que achou que Peter Jackson fez “um excelente trabalho”, mas que não foi ver o show do telhado no cinema.
— Para quê? Já tinha visto na TV — disse, com um ar de espanto pela pergunta.
Experiência no Brasil
Agora, que é uma “celebridade mundial”, Ray Dagg diz esperar que o “mundo volte ao normal” para aproveitar e fazer algumas viagens pelo mundo, especialmente pelos Estados Unidos.
Mas, e a possibilidade de visitar o Brasil?
— Eu já estive aí, faz uns 25 ou 30 anos. Fui numa cidade, acho que a capital.
Quando perguntado se a cidade visitada era Brasília, disparou: “não. São Paulo!”.
Infelizmente, as lembranças mais marcantes de Ray não são apenas sobre a beleza do país, caipirinha ou feijoada.
— Lembro que era muito bonito, mas havia muita violência e criminalidade. Espero voltar quando a pandemia permitir e conhecer outros lugares. Quem sabe o Rio — disse.
Pode ser que ele não tenha dado muita importância ao fato de ter participado de um dos eventos mais importantes da música em todos os tempos, mas Ray Dagg vai ter que se acostumar com o fato de que pode ser parado em qualquer parte do planeta (até mesmo no Brasil) para tirar uma foto ou dar um autógrafo.
Mr. Dagg, aguardamos o senhor por aqui.
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