“Bem-vindos ao nosso encontro!” Assim saudou Paulo Miklos, dirigindo-se ao público que lotava o Qualistage na noite de quinta, no Rio de Janeiro. Iniciava-se a segunda etapa da turnê “Titãs Encontro” (que leva o subtítulo “Pra Dizer Adeus”, indicando ser a última chance), com a já icônica entrada dos sete integrantes dos Titãs. As silhuetas de Paulo, Arnaldo Antunes, Charles Gavin, Branco Mello, Tony Bellotto, Sergio Britto e Nando Reis, contrastadas com o branco do telão de LED, antecedem a execução do hit ‘Diversão’, o abre-alas do show.
Não é a primeira vez que os Titãs se reúnem para comemorar um aniversário. Nos 15 anos, em 1997, gravaram o ao vivo “Acústico MTV”, que trouxe a banda de volta ao topo das paradas de sucesso – o álbum “Titanomaquia” (1993) foi bem de crítica e de vendas nem tanto, enquanto “Domingo” (1995) amargou nas duas frentes -, houve uma breve participação de Arnaldo, então o único a sair do grupo. Em 2012, celebrando os 30 anos, fizeram um show que trazia na primeira metade a formação vigente (Branco, Tony, Paulo e Sérgio, além do baterista de apoio Mario Fabre), e na segunda metade os três dissidentes Nando, Arnaldo e Charles assumiam seus postos originais. Mas agora, nas 40 primaveras, é diferente.
Além de se tratar de uma turnê, ao contrário das reuniões anteriores, mais pontuais, os membros que já não integram mais a banda não são convidados especiais. É de fato a volta dos Titãs, ainda que por tempo limitado. E a impressão que fica é que essa formação nunca se desfez. É literalmente como se o tempo não tivesse passado, com a química ainda intacta. Para fãs de primeira hora é um deleite estar diante dos sete performando como nos anos 1980, assumindo os vocais e instrumentos que lhes pertenciam originalmente, como Nando Reis em ‘Marvin’ (que vinha sendo, nos últimos anos, executada por Branco, com o tom bem mais baixo para se adequar à voz mais grave) e Paulo tocando sax nessa música, em ‘Flores’ e ‘Televisão’, e ainda Charles Gavin esbanjando elegância na bateria, como uma versão brasileira de seu xará, Charlie Watts, dos Rolling Stones. Até o posicionamento no palco os mais atentos podem perceber que é o mesmo da era de ouro.
A quase baixa foi a presença limitada de Branco Mello, que no último dia 20 de outubro se submeteu a uma cirurgia para retirar um tumor na língua. Por conta disso não pôde estar no palco durante toda a apresentação. Ficou presente na primeira música, retornando ao fim da primeira metade do show cantando ‘Cabeça Dinossauro’. Tocou baixo no segmento acústico, assumiu o vocal principal em ‘Flores’ e participou do bis. Essa é a segunda cirurgia a qual Branco se submete. Em novembro do ano passado, ele retirou um tumor na hipofaringe (entrada do esôfago). O tumor, em estágio inicial, foi detectado num exame de rotina em 2018, foi tratado, mas voltou e o obrigou a fazer a cirurgia que comprometeu sua voz. Na primeira etapa da Encontros, sua rouquidão chamou atenção dos fãs. E é notável como ele consegue ainda assim proporcionar um desempenho vocal minimamente satisfatório, moldado às atuais condições.
A turnê foi pensada para ser grandiosa. E o palco que a abriga exibe uma opulência técnica equiparada às tours de grandes nomes da cena internacional. Um telão de LED de altíssima definição no fundo do palco mostra grafismos e imagens de cena. logo abaixo uma passarela com escadas compõe o cenário. A estrutura é amparada por sistema de som impecável, raramente visto por aqui.
Há algumas queixas de músicas que ficaram de fora, ou da inclusão de faixas do século XXI como ‘Epitáfio’. Esse sucesso inicia a homenagem a Marcelo Fromer (falecido em 2001, deixando a música composta junto com Sérgio Britto), que segue com a presença de sua filha, Alice Fromer, no set acústico. A presença de Liminha fazendo as vezes de Marcelo na guitarra de base não deixa de ser um tributo, já que o ilustre produtor é amigo e parceiro de longa data da banda, sendo a pessoa mais digna de ocupar o posto do antigo companheiro.
As faixas ‘Os Cegos do Castelo’ e ‘Pra Dizer Adeus’ são claros acenos ao “Acústico MTV” (ainda que a segunda seja de 1985, foi redescoberta nesse registro ao vivo), pois o intuito é lembrar dos principais pontos da trajetória titânica. Nesse momento, Arnaldo fica ausente do palco, voltando para introduzir Alice e cantar com ela duas composições da fase em que estava à frente da banda: ‘Toda Cor’ e ‘Não Vou Me Adaptar’.
Outro sucesso pós-formação clássica que apareceu no setlist foi o cover de ‘É Preciso Saber Viver’, em homenagem a Erasmo Carlos. Alguns podem ter achado desnecessária a presença de ‘Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas’, mas é um presente para os fãs mais ardorosos. A faixa-título do álbum de 1987 agora elenca uma relação de ditadores, e nela o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro é incluído. A citação provocou manifestação de alguns contrários e favoráveis à nova lei da anistia entre os presentes.
Titãs Encontro estreia sua derradeira fase nesse primeiro de cinco shows no Rio – depois segue para outros estados, finalizando com três datas no Allianz Parque em São Paulo – esbanjando excelência e mostrando estar além da nostalgia. Trata-se de uma espécie de acerto de contas entre eles e com o público, aproveitando enquanto todos os membros estão vivos e em condições de se apresentar ao vivo com qualidade, para afirmar, talvez pela última vez, sua incontestável relevância. A oportunidade de conferir esse show já histórico não pode ser desprezada.
Setlist:
Primeiro ato
Diversão
Lugar Nenhum
Desordem
Igreja
Homem Primata
Estado Violência
O Pulso
Comida
Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas
Cabeça Dinossauro
Segundo ato – Acústico
Epitáfio
Os Cegos do Castelo
Pra Dizer Adeus
Toda Cor (com Alice Fromer)
Não Vou Me Adaptar (com Alice Fromer)
Terceiro ato
Família
Go Back
É Preciso Saber Viver
Flores
Televisão
Porrada
Polícia
AA UU
Bichos Escrotos
Bis:
Miséria
Marvin
Sonífera Ilha
*Fotos: Babi Furtado e Dantas Jr.
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