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Destruição dos Perpétuos

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destruction112“Os Sem-Fim? Os Perpétuos são apenas padrões. Os Perpétuos são idéias. Os Perpétuos são funções de onda. São motivos repetitivos.”

“Nós somos ecos das trevas e nada mais. Não temos direito de brincar com a vida deles, ordenar seus sonhos e desejos. Até mesmo nossas existências são breves e limitadas. Nenhum de nós vai durar mais que esta versão do universo.”

“Cumpri o meu papel mais do que adequadamente por dez bilhões de anos. Uma moeda de dois lados:
destruição é necessária. Nada novo pode existir sem a destruição do velho.”

“A destruição não cessou com o abandono do meu reino. Talvez seja mais descontrolado, selvagem. Talvez não. Só não é mais responsabilidade de alguém.”

Destruição dos Perpétuos é sem dúvidas o mais intrigante dos personagens de Sandman. Existe muito que falar sobre ele, sobre suas ações e sobre suas idéias. Sua identidade foi um segredo até o lançamento do Sandman Especial, por volta do período de “A Game of You” (Um Jogo de Você), mantido de forma bastante rígida e muita aguardada pelos fãs. Quando finalmente temos a chance de conhecê-lo, primeiro o vemos com seu poderoso traje de guerreiro (como seria de se esperar de um aspecto da Destruição), entretanto, a impressão intimidadora não dura muito. Tão logo ele tira seu elmo, o personagem se revela um dos mais felizes e divertidos da série. Seus conselhos para Orpheus são muito bons, e o gigante Olethros se mostra gentil e humano.

Nosso próximo encontro com o Pródigo é no arco “Brief Lifes” (Vidas Breves), que em grande parte é uma busca de Sonho e Delírio para encontrá-lo. Lá descobrimos o porque de Destruição ter abandonado suas funções, assim como sua atual ocupação que é basicamente criar coisas. Conhecemos também um segundo personagem excelente, o companheiro Cachorro de Olethros, Barnabás.

Entrando um pouco mais afundo neste Perpétuo, o que temos a dizer sobre suas escolhas? Por que ele abandonou seu Reino? Eu tenho duas respostas diferentes mas não exclusivas (ou seja que não se descartam) para este problema.

dstr004Minha primeira resposta: ele descobriu algo. Alguma coisa que já era íntima de um ser que como ele, que vivia no coração de todas as estrelas. Desde a formação do universo, Destruição sabia que ele era sempre um agente de algo novo, que destruir apenas indicava a formação de uma nova possibilidade. Sempre buscando por sabedoria, nunca se deixando levar pela arrogância. Há milhares de anos atrás, ele dizia a Morte que apesar de ser “incomensuravelmente” poderoso e perpétuo, o quanto se achava insignificante, pequeno e o quanto desejava que soubesse mais. Sua irmã, lhe respondeu que todos os seres que existem sabem sobre todas as coisas, mas apenas negam isso para si mesmos no intuito de deixar tudo mais suportável. De todas as coisas de seu domínio, havia apenas uma que mais o intrigava: Mudança.

A perspectiva de se viver para sempre executando suas funções através de bilhões de eras diferentes, pode facilmente colocar na consciência de um ser como um Perpétuo, que as coisas não mudam (Como afirmariam Morpheus, Desespero e Desejo, e que talvez mesmo Morte e Destino compactuem). Desde o inicio da Terra, quando Deleite estava vivendo sua mudança para Delírio, seu irmão era o único que estava lá para abraça-la. Ele a segurava enquanto dizia que as coisas mudavam, e ela finalmente entendia a verdade em sua condição. As coisas mudam, até mesmo os Perpétuos… Cada vez mais o pródigo se via afastado de suas obrigações e vivendo na terra e filosofando sobre sua condição e a de sua família. Até concluir que realmente “Não existe moeda de um lado só. Sempre existem dois horizontes para cada céu”, “as coisas realmente mudam”, ele concluiu, e os Perpétuos talvez não passassem de repetições de ondas. Amarras de um certo estado do mundo, por que mesmo um membro de sua família, é efêmero e possui uma vida breve, nenhum deles passará dessa versão do universo.

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dstr003Se os perpétuos assim o são, limitados e efêmeros, que direito eles tem de mandar na vida dos indivíduos, na ordem do Universo? Destruição teoriza que a própria existência deles só se concretizou por causa de um padrão de comportamento dos seres vivos, um padrão que pode facilmente mudar extinguindo sua família. Destruição parece amar os seres vivos a ponto de acreditar que eles merecem ser senhores de seu próprio destino, sem a interferência de entidades cósmicas. Tudo isso para ele, pode ser provado pelo argumento simples de que toda mudança é impossível de ser detida. Ela vai acontecer, e ou os Perpétuos mudam, ou o mundo irá mudar sem eles (isso lembra o discurso de posse do Barack Obama, “O mundo mudou, e nós devemos mudar com ele”). É engraçado perceber que Delírio, quando ouve os argumentos de seu irmão, concorda com o mesmo e diz já compreender isso. É bastante plausível que esta verdade tenha sido a principal responsável por sua mudança quando Deleite. Destino também parece saber (como afirma sua irmã), e Sonho, quando finalmente entende, se mostra incapaz de mudar o que o leva ao suicídio.

dstr008A segunda linha de argumento, eu acredito venha em sintonia com a primeira, mas mostra um lado um pouco mais egoísta de sua decisão. Fica bastante claro ,desde o início, que por algum motivo Destruição sempre foi apegado a Terra, mais do que qualquer outro lugar. Antes mesmo da formação deste planeta estar completa (como é lembrado por Delírio) ele já passava grande parte de seu tempo andando por suas paisagens. Destruição é o único perpétuo que nunca vimos o Reino, todas as vezes que o encontramos ele está na Terra (exceto em Noites Sem Fim, que ele se encontra na reunião do surgimento do universo, e depois no Reino de Destino, onde abandona seu papel).

Um pouco antes deixar sua família, já no século XVII, Destruição convoca Sonho e tem uma conversa com o mesmo sobre os rumos dos seres humanos, como a confiança na razão como ferramenta, e outras descobertas a partir da modernidade. Morpheus não entende por que seu irmão está tão preocupado com essas descobertas, ambos já haviam as presenciado centenas de vezes em centenas de mundos. No entanto, percebemos no último quadro, o que o faz se preocupar tanto, o pródigo com uma cara de desânimo diz: “Sim, então chegará o meu tempo irmão. Uma era de fogo e chama…”

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destruction11Destruição sabia que o próximo passo no uso dessas ferramentas seriam a construção de armas, e toda a destruição que seria causada pela ciência. Percebam, que uma das coisas que ele enfatizou quando poucos anos depois, deixou seu cargo e reino foi, que agora, a “Destruição não é mais meu fardo, não é mais minha culpa”. Além de ter entendido a efemeridade e limitação de sua condição (coisa que apenas Destino e Delírio e um tardio Morpheus aprenderam), o Pródigo parece ter escolhido não continuar sua função na esperança de salvar o planeta que ele ama. A destruição continua, mas agora ela é mais selvagem, mais caótica, menos determinística, ou seja, existem maiores chances de que os humanos não se matem. Isso fica bastante explícito nas últimas cenas dele antes de se aposentar: ele repreende Sonho por não ser gentil com um ladrão, fica fascinado com as descobertas humanas e termina a cena arrasado pela possibilidade de ter que destruir este mundo. Ainda sim, se pensarmos a hipótese de que suas conclusões a respeito da condição dos Perpétuos estejam erradas, dado o dever cósmico dos mesmos, foi um ato de extremo egoísmo abandonar suas responsabilidade por um local que ele ama. Ou talvez ele tenha feito isso, para caso o lugar fosse destruído, ele não precisaria se sentir culpado a respeito, já que não seria mais responsável, “não seria mais sua culpa”.

destruicao5Uma característica marcante de Destruição é seu afeto e compaixão por todos, e como este mesmo afeto era retribuído para ele. Desespero menciona o seu irmão em quase todas as suas aparições na saga, dizendo que sente falta do mesmo. Em dado momento, nos é mostrada uma cena entre os dois, onde seu irmão além de ser completamente amável com ela, ainda lhe dá um grande beijo no rosto (o único beijo em Desespero desde a criação do universo). Tanto ela, quanto sua irmã mais nova, Delírio, afirmam que a família nunca brigava quando ele estava junto, ele sempre dava um jeito de alegrar a todos e não deixar que o mau humor e as intrigas os vencessem. A própria Delírio, só pôde contar com um dos seus irmãos, Destruição, em todas as maiores crises que ela teve, até mesmo nos dias atuais, durante o “Noites Sem Fim”, a mais nova foi para a companhia de seu grande irmão para se curar. Outro exemplo bastante forte se dá através de Lucien, o fiel bibliotecário do Sonhar. A única vez que ele contraria a opinião de Sonho em toda a série é quando eles discutem sobre o pródigo. Morpheus afirma que não deseja encontra-lo, e seu servo lhe responde: “Eu posso não estar no lugar de lhe dizer isso, e eu só conheci o seu irmão em algumas ocasiões. Entretanto, eu gostava imensamente dele, e também o respeitava. Eu realmente espero que vocês consigam sim, encontra-lo”.

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Sonho, também amava muito Destruição, mas demorou muito para entender isso. Seu irmão sabia que ele se encontrava mudado profundamente (quando o próprio ainda não tinha reparado) e mais uma vez foi gentil ao tentar lhe explicar o que o fez sair de seu cargo. Transformado, talvez de forma inconsciente, Morpheus mata seu filho depois desta conversa, abrindo assim, caminho para que fosse destruído. Mas é somente em uma das mais belas cenas da série, que entendemos que Sonho realmente o fez em grande parte devido ao seu irmão. Hob Gadling, o imortal, depois da morte de seu amigo, sonha com o mesmo, e no seu sonho ele revê Morpheus pela primeira vez, feliz e sorrindo, em uma praia na companhia de seu irmão. Morpheus tinha finalmente encontrado a paz com suas obrigações, e foi para o lado do gentil Pródigo repousar.

Por fim, gostaria de falar um pouco sobre as influências que podem ter ajudado a construir o personagem, dentro do campo religioso. Elas são duas, e que também se parecem muito entre si, pois em grande parte são repetições de um mesmo arquétipo:

destruicao6A primeira figura que me vêm a cabeça é obviamente Prometeu. Titã irmão de Epimeteu, que em Hesíodo é o responsável por roubar o fogo divino dos deuses por amor a humanidade, assim como também ceder aos homens a melhor parte dos alimentos: a carne (na sua divisão a gordura e os ossos passaram a ser o alimento divino). Prometeu é uma entidade brilhante que fica absolutamente apaixonada pelos homens, o que o faz perder sua própria condição divina, sendo agrilhoado por Zeus a uma pedra, onde passaria a eternidade tendo seu fígado devorado. Destruição compartilha do mesmo amor de prometeu, e apesar de não ser punido, ele escolhe deixar sua condição divina para andar como um homem sobre a terra.

destruction115A segunda figura é bastante controversa, pois existem dezenas de denominações religiosas que o vêem de forma negativa. Mas para um número menor, porém expressivo: Lúcifer teria desempenhado papel semelhante ao de Prometeu. O primeiro dos anjos teria caído por amor a humanidade, no sentido literal de alguém que trazia luz aos homens, em contra-partida com o Demiurgo, um ser que teria aprisionado os homens na existência material das coisas (esta corrente é obviamente Gnóstica). Ainda sim, hoje é de nosso conhecimento que o termo Lúcifer só veio a se associar com uma idéia negativa, muito tardiamente (tanto que existe um Santo Católico com este nome), o que dá muita força a estas pequenas denominações. O luciferianismo (que não tem nada de comum com o Satanismo) vê no primeiro anjo, o que eu vejo em Destruição. Alguém disposto a abrir a mão do que ama para presentear a humanidade, alguém que denega sua própria condição, acreditando que a realidade não foi feita para ser regida.

No fim, esta não é uma época de Chamas e Fogo, por que não existe moeda de uma lado só, por que todo horizonte tem dois lados.

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8 Comentários

  • Muito bom o post mesmo. Eu só vi ele depois que tinha escrito o meu.
    Eu também gosto muito de Destruição, mas acho que se fosse escolher um favorito, entre os Perpétuos, seria Morte.
    E obrigada pela dica. Eu lembrava vagamente dessa história do beijo mas não consegui lembrar de jeito nenhum em que história se passa a cena. E sabe como é grande a preguiça de procurar…

  • Assim como Shiva é Mahadêva, Destruição é o maior dos Perpétuos! rs
    MUITO BOM O ARTIGO. QUE PRIMOR DE ANÁLISE!

    Na verdade , nem vale acrescentar mais nada, mas como eu não resisto e esse espaço de comentários permite opiniões, vamos lá:

    Pra mim, Destruição encarna na cultura pop com primor uma crítica existencialista ao o homem e seu mundo contemporâneo: explodido, destruido , fragmentado. Sobre esta ótica, Destruição no fundo trocou seu “portifólio” para Renovação, já que ele cria em cima do que já foi destruido (a pintura figurativa foi destruída pela arte contemporânea etc…).

    PARABÉNS, Fê, vc devia mandar isso pro Neil Gaiman e dar um jeito de publicar esse material.

  • excelente texto…. muito bom mesmo. parabéns! Lúcifer e Prometeu são bem próximos na idéia e com seu texto ficaram em uma figura só criada por Gaiman.

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