A história da Marvel se inicia no segundo semestre de 1939 (na época, chamada de Timely Comics). Nas páginas de Marvel Comics #1, figuraram pela primeira vez super-heróis que se mantém na ativa até hoje: Namor, o Sub-Mariner; e o Tocha Humano. Era um claro reflexo da consolidação de um gênero que já na década seguinte hibernaria: os contos de super-heróis. Muito embora os alicerces da indústria de quadrinhos já estivessem sido estabelecidos anteriormente com a publicação dos heróis clássicos de aventura – como Fantasma, Flash Gordon e Mandrake -, foi apenas em abril de 1938, na Action Comics #1, que a indústria encontraria sua identidade mais forte, residente na moral inabalável e nos incríveis poderes do homem de aço. Desde então, as tentativas de negar completamente a temática hoje já batida dos super-heróis não resultaram em muito sucesso. Aparentemente, o universo pareceu conspirar para que os super-heróis fossem sempre inerente aos quadrinhos, tal qual o calor será sempre inerente ao fogo. Um não sobrevive sem o outro, embora a recíproca não seja verdadeira.
Tendo em vista a relevância que a “Casa das Ideias” tem para a indústria, este artigo se propõe a eleger uma edição publicada pela Marvel por cada década. As obras listadas aqui não são consideradas as sete mais importantes da história, ou sequer compõem um top 7 da editora. São apenas contos clássicos que conseguem condensar toda a atmosfera da época, bem como traduzir os intuitos editoriais da Marvel ao longo dos seus 70 anos.
Neste primeiro artigo, viajaremos de volta aos anos 40 e 50!
Os anos 40: A influência social das histórias em quadrinhos
Apesar da importância óbvia da gênese do Universo Marvel estar registrada e materializada na revista Marvel Comics #1, de outubro de 1939, devemos nos ater a um título que não só engrandeceu a história dos quadrinhos em si, como – pela primeira vez na história – estendeu a influência e o objetivo da nona arte ao campo social, motivando e influenciando diretamente a sociedade americana da época. Trata-se dasprimeiras histórias do Capitão América, e, talvez a investida mais forte neste sentido tenha sido a publicação da história “Trapped in the Nazi Stronghold” de Captain America Comics #2.
Steve Rogers foi um personagem que nasceu com o propósito de motivar as tropas americanas na 2ª Guerra Mundial, e inicialmente aparentou ser apenas um personagem cujo conceito residia intrinsecamente nas intenções do esforço de guerra dos Estados Unidos. Gozou de extremo sucesso durante o período da guerra, mas, após 1945 o personagem começou uma decadência que culminaria em sua completa extinção por alguns anos. Retornaria em 1953, ganhando força novamente apenas na Era de Prata, junto a outro propósito existencial, mas isto é assunto para outro artigo.
A história escolhida se afasta um pouco do entretenimento genuinamente pueril e de cunho motivacional do conto de estreia do Capitão, ao se aproximar de argumentos políticos mais profundos e de um roteiro levemente mais cerebral – tal ocorrido fica claro logo nos primeiros quadros, quando Steve e Bucky exaltam textualmente o herói americano comum, dinâmica esta amplamente utilizada nos quadrinhos do Capitão na época da guerra. A história toda se baseia em um exercício de investigação por parte dos heróis para desmascarar um farsante que ocupou o lugar de um milionário americano que prometera doar toda a sua riqueza para o esforço de guerra, com direito a disfarce feminino, máscaras, discurso na captura e todos esses clichês. Embora o argumento soe por demais infantil, o título possui valor cultural elevado; é interessante observarmos a personalidade de Steve Rogers se construindo aos poucos, principalmente em meio a essa atmosfera de história de detetive, fato que hoje se mostra destoante do personagem que conhecemos. A arte é bem precária, como qualquer publicação da época, mas o roteiro consegue ser divertido e inspirador, utilizando as famosas cenas de ação do título com inteligência, e de forma “um pouco mais realista” se comparada ao volume um da revista.
Os anos 50: O declínio dos contos de super-heróis
Já no final dos anos 40, as histórias de super-heróis eram sinônimo de histórias em quadrinhos, e foi então que o gênero entrou em colapso. A indústria teve de se adaptar; contos de Guerra, Faroeste e Terror tornaram-se extremamente populares. Títulos como Tales to Astonish, Tales of Suspense, Stange Tales e Journey into Mistery eram agora os mais vendidos, e foi somente em 1953 que os heróis Tocha Humano, Namor e Capitão América retornaram, embora o revival tenha sido considerado um fracasso total.
O conto “Till Death Do Us Part” publicado em Journey into Mistery #06 em abril de 1953 é um exemplar que revela com exatidão a atmosfera das histórias que eram publicadas em tais revistas. Nesta narrativa, acompanhamos a trajetória de um homem que se especializara no clássico golpe do casamento por interesse. Ele inicia narrando seus feitos que acusam seu comportamento psicopata: havia casado e em seguida forjado a morte de três viúvas, herdando suas respectivas fortunas no processo. É quando parte para completar seu quarto golpe que percebe, já tarde demais, a personalidade macabra da mulher com quem “escolhera se casar”.
O argumento de Andrew Starke é, apesar de simplista, extremamente interessante. O roteirista consegue diluir o suspense quadro a quadro de forma competente, intercalando muito bem a narração do próprio protagonista com os balões de diálogo. O artifício acrescenta um tom desesperado à narrativa, já que o roteiro se propõe a revelar paulatinamente o destino cruel que aguarda o personagem principal. A bela arte de Mort Lawrence contribui para o aumento da profundidade do argumento. O artista consegue passar com relativa exatidão os anseios e temores dos personagens ao longo da história, acrescentando ainda mais ao ambiente de terror desse tipo de publicação. Abusa das sombras e dos riscos, intercalando tons de azul que representam o breu, com o tom específico de amarelo das luzes de vela.
No próximo artigo da série, comentaremos sobre os anos 60 e 70! Até lá!
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