Como Antes, de Alfred, marca com sua narrativa sobre família, sonhos e derrotas

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As narrativas com irmãos adversários são tão antigas quanto a história da humanidade, mesmo em textos fundacionais como a Bíblia, encontramos um dos textos mais recorrentes sobre o assunto: o fratricídio de Caim e Abel. E o título que iremos analisar tem como ponto de origem a história bíblica em que um irmão mata outro e o assassino é condenado a vagar pelo mundo com sua culpa. Algo semelhante acontece em Como Antes (Come Prima) de Alfred, mas não tão extremo.

Devir publicou recentemente esse título que traz dois irmãos separados por um tempo que ficou para trás. Giovanni e Fabio são os protagonistas; Fabio encarna de certa forma a figura de Caim, um jovem, que foi seduzido pelo discurso, pela estética e pelas formas dos camicie nere (Camisas Negras). Essa ideia fratricida ligada ao fascismo é o gatilho que o faz fugir da Itália, por medo do que poderia acontecer contra ele quando o Duce e seus seguidores desaparecessem do poder. Fábio se constitui como um errante que não fala mais sua língua nativa, fala apenas francês, e que foi de um lugar para outro, sempre mudando de profissão e com um medo brutal de se comprometer. É essencialmente a redenção deste personagem, que é apresentada ao longo de suas ações e escolhas.

Por outro lado, Giovanni é, o outro lado da moeda; que não esqueceu a partida de seu irmão nos piores momentos, embora esteja disposto a perdoá-lo e recomeçar. Esta jornada pessoal de redenção e perdão faz parte do retorno de Fabio à Itália. O que, a princípio, acredita ser um retorno aos fantasmas do passado é realmente uma chegada ao presente, para ser responsabilizado, sim, mas de uma foma mais emocional.

Aos poucos, descobrimos quem foi o pai deles, como é difícil a relação entre os membros da família e como o fascismo os dividiu.

Esse retorno às origens é cercado por muitas referências ligadas à cultura italiana: desde o título “Come Prima”, uma canção popular que Tony Dallara interpretou em 1957, o Fiat 500 usado para retornar à Itália ou o pôster do filme I soliti ignoti de Mário Monicelli. Assim, a viagem de volta acontece desde a primeira página, apesar de Fabio não decidir até mais tarde e fugindo involuntariamente de uma de suas travessuras.

Nesta graphic novel, Alfred nos mostra uma história mais ou menos previsível, mas na qual o que realmente importa é a jornada, e o caminho percorrido, que não são apenas os mais de mil quilômetros entre o ponto de partida e o destino, mas os anos que separaram os irmãos de suas origens. O truque da reconciliação familiar também funciona, nascem uma esperança de reconciliação.

Com ilustrações belíssimas, Alfred faz um uso estratégico das cores para caracterizar emoções e flashbacks, que mergulham o leitor no clima nostálgico das personagens e, painel após painel, capturam lindamente a atmosfera das horas do dia, desde as cenas noturnas em azul profundo até o laranja intenso de um pôr do sol. Seu domínio do ritmo narrativo dá ao leitor o tempo exato para apreciar todas essas nuances de cores e contribui para fazer de Como Antigamente uma obra-prima da narrativa gráfica.

Um belo exemplar de quadrinho contempôraneo e uma história emocionante sobre família, sobre sonhos e derrotas. E o arrependimento e a indulgência que devemos a nós mesmos e aos outros…

Nota: Excelente – 4 de 5 estrelas

Cadorno Teles
WRITTEN BY

Cadorno Teles

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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