“Desespero, irmã gêmea de Desejo, é rainha de seu próprio domínio sombrio. Diz-se que, dispersas pelo reino de Desespero, há uma infinidade de pequenas janelas penduradas no vazio.
A cada janela aberta uma cena diferente se revela. Em nosso mundo, a vista é um espelho. Assim, quando você fita seu próprio reflexo e nota os olhos de Desespero sobre si, é fácil senti-la agarrando e apertando seu coração.
Sua pele é fria e pegajosa. Seus olhos são da cor do céu, naqueles dias cinzas e úmidos que desbotam o significado do mundo. Sua voz vai pouco além de um sussurro. E, embora ela não tenha odor, sua sombra é almiscarada e pungente,
tal qual a pele de uma cobra.Muitos anos atrás, um certo dogma religioso que, ainda hoje existe no Afeganistão declarou-a uma deusa, proclamando todos os recintos vazios como seus locais sagrados.
A seita, cujos membros se denominavam “Os Não-Perdoados”, persistiu por dois anos, até que seu último adepto
finalmente se suicidou, após ter sobrevivido aos outros membros por quase sete meses.Desespero diz pouco, mas é paciente.”
Sandman #21
Desespero dos Perpétuos: com bastante tristeza acredito que é a personagem que menos possa falar a respeito. Dado o pouco tempo em “cena” que a personagem apareceu. Ainda sim ela traz consigo muitas coisas bastante interessantes.
Antes de falarmos sobre a personagem, é importante voltar nossa atenção para a Primeira Desespero. Afinal quem ela foi e por que ela morreu? Temos poucas referências a isso em toda série. Na história de Sonho, em “Noites Sem Fim” (vale mencionar que lindamente ilustrada por Miguelanxo Prado), que se passa próximo a origem de nosso universo, é a única vez que temos a oportunidade de ver a personagem. Sua forma, era obviamente diferente, ainda que nua e obesa, a primeira desespero possuía um rosto mais ameno (até mesmo maquiado) e uma tinta vermelha marcava traços sobre seu corpo. A voz (representada pelo balão de fala de Klein), parecia ser a mesma. O que mais sabemos sobre ela? Uma das regras que aparece de forma clara na série, é aquela que diz que um Perpétuo não pode derramar o sangue da família, se este o fez, as fúrias, poderão ser jogadas contra o delator. Em Sandman #73, Daniel, já como Sonho faz o seguinte comentário para Hypollyta Hall:
“A pessoa que foi responsável pela morte da primeira Desespero irá levar o resto da eternidade para morrer. Só então sua dor irá cessar… E ele teve uma causa melhor para o que fez do que você.”
Daqui, podemos pensar duas coisas: Ou algum ser muito poderoso e com um motivo pelo menos um pouco justo, destruiu a Desespero (lembrando que Sonho temia ser destruído por Lúcifer, então é possível que um Perpétuo também possa ser morto por seres de imenso poder), ou exatamente como Lyta Hall, ele fez a Desespero pagar por um derramamento de sangue familiar. Gosto de acreditar na segunda opção, até por que, não se sabe se Sonho realmente poderia ter morrido para Lúcifer, afinal a única prova da morte de um Perpétuo havia sido a Desespero, e a Morte poderia não levar o seu irmão. O fato é, o responsável ainda hoje existe, e paga por seu pecado por toda eternidade.
Seguindo as referências a respeito da primeira Desespero, temos uma pequena (e a primeira) citação a mesma em Vidas Breves (Sandman #48). Onde Destruição relembra com pena o fardo que foi a entrada de um novo aspecto de Desespero. Saberemos apenas mais um pouco de informação… Em Sandman #55 (Fim dos Mundos), no conto de Petrefax sobre a Necrópolis Litharge, nos é mostrado como a morte deste Perpétuo foi o responsável direto pela criação daquela vila. Conta a lenda (narrada à Petrefax por Destruição) que há muito tempo atrás havia uma outra Necrópole, e que esta havia se tornado corrupta e inescrupulosa em seus serviços. Desde o inicio dos tempos no coração deste reino-cemitério fica um misterioso salão, guardado por uma estranha força, responsável por embalsamar os perpétuos mortos. Quando Desespero morreu, seus seis irmãos vieram a este lugar, para pedir sua cerimônia e seus objetos: uma mortalha (ou sudário) e um livro de rituais. Quando este pedido lhes foi negado, Destino removeu o fardo da Primeira Necrópolis que se transformou em Areia. Os seis se dirigiram então até a pequena vila de Litharge, que foi encarregada da cerimônia, e se tornou o novo Reino Cemitério. Assim termina todas as nossas informações sobre a Primeira Desespero, entretanto, gostaria de adicionar que acredito que a Primeira fosse bem pior que a segunda, no mesmo sentido que Morpheus tinha uma caráter bem mais limitado e mesquinho que Daniel. Não existe nada de concreto, mas a Desespero atual, parece um dos perpétuos mais gentis.
Bem, falando sobre a personagem per se, acredito que Gaiman foi muito feliz ao concebê-la. Gosto bastante da idéia de seu reino por detrás dos espelhos (que irei explorar mais adiante), povoados apenas por ratos e neblinas. Gosto de sua aparência e jeito taciturno, o desespero é algo solitário e melancólico, raramente espalhafatoso. Mas gosto sobretudo de seu símbolo, o anel com um anzol, simbolizando aquela sensação de estar com o coração fisgado em algo. Esta sensação é mais do que perfeita para representar o estado de Desespero, assim como a forma da personagem de usar seu anel, rasgando seu corpo enquanto assiste aos espelhos.
Já disse isso antes, mas para mim a voz da Desespero, é como a reunião de todos aqueles sons que dão arrepios. Ele é um prego ou uma unha arranhando levemente um quadro-negro. É um breve sussurro ao seu ouvido dizendo coisas que você não deveria escutar, coisas que aos poucos lhe destroem a esperança.
Desespero parece acatada, até mesmo ingênua. Muitas vezes se deixa ir pelos jogos de sua irmã gêmea, Desejo. Uma outra curiosidade interessante é o seu amor por Destruição, incrivelmente em todas as aparições de Desespero, ela cita sua falta ou pergunta sobre o Pródigo. Inclusive é o argumento de que Destruição teria abandonado sua família por causa do descaso de Sonho que convence este a entrar na disputa sobre Norton. Mais tarde vamos descobrir, o quanto o irmão do meio era amável com sua pequena irmã, a ponto de até mesmo beija-la.
Desespero é meticulosa no que faz, e parece executar bem suas funções. Mas ao contrário de Sonho, ela parece bem mais humana e capaz de apego aos outros, sobretudo sua família. É bastante claro que seus seis irmãos tiveram um papel fundamental em sua transição como segunda Desespero. E até hoje ela parece grata por isso.
Uma influência bastante interessante para a personagem é Lilith, não em personalidade, mas por que no Midrash Aggadoth, aprendemos que depois de ser expulsa do éden, a primeira mulher foi viver no Ba’Hara, o jardim dos espelhos. Um local onde ela era obrigada a observar a vida dos filhos de adão através dos reflexos do mundo (sempre achei esse tema muito legal, e recentemente, quando escrevi sobre Lilith, houve uma influência inversa e confundiram a personagem com a desespero).
Fora isso, raramente observamos deuses com aspectos muito semelhantes aos dela, exceto em seres de menor poder, como Ônis, Rakshasa, demônios e etc…. Neste caso aparecem muitos, pois em todos os lugares, ainda que sobre a esperança, um dia esta também se esvai.
até que ficou grandinho no fim das contas…. rs
Muito interessante o artigo. Como já lhe falei, a Desespero é uma das personagens que acho mais interessante (possivelmente é minha segunda preferida), é realmente uma pena que o Gaiman tenha deixado tantas perguntas em aberto.
Discordo…. acho que como o sr. gaiman, mistérios são mais interessantes que respostas, se não houvesse esse tipo de buraco, esses artigos não fariam muito sentido não é?
Acho que não atiçaria tanto….
Doce desespero, é uma pena ter aparecido tão pouco.
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Ontem eu me lembrei dessa personagem a parte:
“Muitos anos atrás, um certo dogma religioso que, ainda hoje existe no Afeganistão declarou-a uma deusa, proclamando todos os recintos vazios como seus locais sagrados.”
Me deixa com um certo frio na espinha e me faz lembrar de todas as vezes em que eu estive em seus domínios, me pergunto se eu sou o único que ficou se perguntando se Sandman era real quando terminei de ler pela primeira vez, com certeza nao foi o unico.