Existe uma frase que simplifica e traduz todo o enredo e a proposta de Kick-Ass: É uma HQ que usa da simplicidade para tornar-se crível. Não há grandes mistérios, enredo rebuscado, plot twists fantásticos ou elaboradas referências ocultas. É uma narrativa simples sob o óculo de um fã de quadrinhos comum, que se questiona a respeito do motivo de não haver vigilantes mascarados chutando bundas de bandidos nas ruas, considerando a grandiosa e crescente popularidade das histórias em quadrinhos sobre os supers. Será que ninguém nunca pensou em agir como um super-herói? Percebe a clara semelhança à Watchmen? Kick-Ass se desenvolve assim, à sombra de outras obras que exibem traços parecidos com sua proposta. De cara, definimos: Não é nada original. Mas, então, porque eu mesmo a considero uma das melhores publicações da Marvel nos últimos anos?
Talvez pela despretensiosidade da obra, ou pela proposital aproximação do herói principal ao leitor – o que em Kick-Ass funciona perfeitamente bem, já que o protagonista ascende de mero fã de quadrinhos para herói nacional! -, ou pela violência gratuita e a ambientação verossímil, não sei dizer ao certo. Provavelmente tudo isso junto. A HQ apresenta o primeiro arco com 8 edições, publicadas pela Marvel Comics por intermédio da Icon Imprint. Com argumento de Mark Millar (The Authority, Guerra Civil) e artes de John Romita Jr (Amazing Spider-Man, Iron Man), e tenho de admitir, são trabalhos que evoluem em harmonia. Os desenhos acompanham o roteiro em tudo, sem destoarem em nem um quadro sequer. É irônico quando precisa ser, delicado quando requisitado e apresenta uma ação visceral à todo momento, fazendo com que o leitor quase sinta a dor de Kick-Ass na pele, já que volta e meia o personagem aparece com o rosto todo deformado de tanto apanhar. Importante também é destacar o trabalho do colorista Dean White, que abusa de cores vivas (principalmente o vermelho) para salientar a violência extrema e o tom tipicamente irônico que permeia o enredo do início ao fim.
A revista foi às bancas pela primeira vez em fevereiro de 2008, tendo sua última edição publicada recentemente nos EUA. Já conta com uma adaptação para o cinema, com estréia provável para o dia 11 de junho deste ano; além do próprio Millar ter confirmado uma continuação nos quadrinhos. A Panini prometeu lançar a obra em um encadernado de luxo, que deverá vir às Comic Shops e livrarias nos próximos meses. A sinopse? Dave Lizewski é um adolescente comum cursando o high school. Nerd, loser, perdeu a mãe quando pequeno e hoje mora com o pai, na cidade de Nova York. O moleque é amante de histórias em quadrinhos, o que faz com que o enredo fique recheado de referências à todo momento (Mark Millar usa estas referências com uma conotação quase que essencialmente irônica, em um nível que perde apenas para o mestre do sarcasmo e depravação, Garth Ennis). Certo dia, conversando com seus amigos, Dave propõe a seguinte questão: “Porque diabos ninguém tentara até o presente momento, vestir uma cueca sobre a calça e uma máscara, e sair dando porrada em vagabundo por aí?”, ou algo assim. Daí surge a idéia de ele próprio ser o pioneiro do movimento vigilante. Logo na primeira ronda ele toma uma surra extremamente agressiva. É um tapa na cara do mundo real. Dave se recupera e volta à vestir seu uniforme. Começa a malhar, sua auto-estima melhora (alguém lembrou do Coruja II?) até um dia em que, além de só apanhar, consegue bater um pouco. Testemunhas filmam sua façanha, e já no dia seguinte o povo lhe concede a alcunha de Kick-Ass. As cenas de seu embate estão estampadas nos noticiários mais importantes do país, fazendo do rapaz a nova sensação nacional. Ele então passa a receber chamadas através da internet, que acaba funcionando como seu próprio bat-sinal, mas de uma forma muito mais amadora, naturalmente. O moleque, diante de tanto sucesso, acaba inspirando diversos outros malucos com o tempo, chegando a conhecer alguns pessoalmente. Um deles, e na minha opinião o melhor personagem desta história, é a Hit Girl.
Não há como não comparar com outras obras já publicadas, que seguem essa linha de transportar a narração fantástica das histórias de super-heróis para a realidade. Kick-Ass inspira-se muito na proposta de Watchmen, mas nem de longe pretende ser o que a obra prima de Alan Moore é para os quadrinhos hoje. Mark Millar é um autor até com certa experiência nesta tendência de histórias com o questionamento de “e se isso fosse no mundo real?”. Fez isso muito bem em Guerra Civil, apesar desta obra não seguir completamente tal idéia. Lembro também da excelente The Boys, de autoria do já mencionado Garth Ennis; apesar desta ter um plot levemente diferente. Em The Boys, os super-heróis existem de fato, como no Universo Marvel ou no Multiverso DC. O que Ennis propõe é justamente um grupo que “vigiará os vigilantes”, o que isto te lembra? A própria Marvel já cunhou uma visão realista da história de seu universo, com Marvels. Percebe que Kick-Ass não possui quase nada de novo? Então porque agrada uma fatia tão grande de leitores e críticos? Agrada porque é uma obra que se mostra ser um deleite para os fãs de quadrinhos, que conseguem se identificar muito bem com o protagonista; além de ser uma arte sequencial de muita qualidade, com roteiro redondo e de ação ininterrupta.
Foi como prenunciei na primeira frase deste artigo: é uma história cujo ponto forte é a simplicidade de conceitos. Nada muito cerebral, é uma diversão desapegada de metalinguagens, metáforas ou parábolas; mas uma grande homenagem ao ente mais importante da história dos quadrinhos, e a engrenagem principal de toda essa indústria: o fã.
Espero que você que ainda não conhecia esta bela obra esteja convencido o bastante de que precisa lê-la o quanto antes, preferencialmente antes da estréia do chutador de traseiros nas telonas. 😀
A melhor em tempos MESMO. Hit Girl, eu queria ser você.
Eu ainda não li, mas não sei se quero ler antes de ver o filme nos cinemas.
É verdade… pode ser, digamos… "perigoso". Às vezes é melhor ver o filme antes mesmo, a adaptação acaba agindo como inspiração para a leitura da HQ. Ao ler a obra antes, a probabilidade de não se gostar do filme aumenta muito! Mas eu to botando MUITA fé no longa. Veremos.