O mercado de quadrinhos brasileiro e seus problemas

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Já se sabe que o mercado de quadrinhos brasileiros é fraco, em comparação, por exemplo, com o mercado de quadrinhos japonês. Basta comparar as vendas dos gibis mais populares de cada país em 2009. No Japão, a Weekly Shōnen Jump, teve uma circulação de 2,8 milhões de cópias por semana (1). Enquanto isso, no Brasil, foram impressos cerca de 375 mil exemplares por mês da revista Turma da Mônica Jovem, que é um sucesso de vendas nacional (2). A proporção é de cerca de 30 exemplares da Weekly Shōnen Jump para cada Turma da Mônica Jovem. Os quadrinhos também são muito lucrativos na França e na Bélgica, onde movimentaram 320 milhões de Euros em 2009 (3). Mas se os quadrinhos são um negócio tão rendoso em outros países, por que o mercado brasileiro é tão pequeno?

Há diversas razões. Para começar, houve uma queda de vendas de gibis nas bancas na maior parte do mundo, com exceção do Japão. Jotapê Martins, que foi editor e sócio da Via Lettera, explica que os quadrinhos fizeram muito sucesso nos anos 30 e 40 porque eram uma mídia de produção rápida e barata (em comparação, por exemplo, com o cinema) (4). A partir dos anos 50, os gibis começaram a sofrer a concorrência de outras formas de entretenimento, como a televisão e, mais tarde, os videogames. Outro problema foi o aumento do preço do papel (o que, consequentemente, encareceu os gibis). Leandro Del Manto, editor da Devir, acrescenta que houve um aumento na oferta de quadrinhos (5). Com um número maior de títulos, houve uma diminuição na venda de cada um. A consequência foi que os preços tiveram que aumentar para suprir os gastos de produção e manter a margem de lucro das editoras.

O fato é que o mercado brasileiro de quadrinhos não é grande o suficiente para permitir que um autor viva exclusivamente da venda de seus gibis em território nacional (com poucas exceções, como Maurício de Sousa). Viver de quadrinhos é difícil para os autores nacionais há muitos anos. O próprio Maurício de Sousa contava, em 1969 :

“O material americano foi até hoje o responsável pelo não aparecimento de desenhistas nacionais. Digo, desenhistas nós tivemos vários, mas hoje estão se dedicando à publicidade ou foram para os Estados Unidos. É a velha lei da oferta e da procura. A estória estrangeira, não só a americana, mas também a inglesa e algumas francesas, chega aqui a preço de banana. A tira de jornal está custando apenas um dólar. Ora, enquanto isso, qualquer desenhista profissionalmente bom vai se sentar à prancheta e desenhar uma tira que custa em homem-hora duas ou três vezes mais. Fatalmente ele vai vender para um só jornal, porque não temos distribuidoras nem sindicatos nos moldes dos sindicatos americanos. A única tentativa aparecida no Brasil é a nossa redistribuidora, aqui na Maurício de Sousa Produções. (6)”

Capa da Turma da Monica Jovem
Turma da Monica Jovem

No final da década de 90 e início da década de 2000, a situação era semelhante. Segundo o quadrinista paulista Gabriel Bá,

“Todo mundo é independente no mercado nacional… […] Você faz porque você quer, porque você gosta. Aí você tem um contato com uma editora ou leva o trabalho para uma editora que vai publicar. Mas, o que você vai ganhar com a venda dos livros não vai ser nada. Então, ninguém faz por dinheiro também. (7) ”

Em seu livro “História das histórias em quadrinhos“, Álvaro de Moya conta que houve algumas tentativas, por parte de instâncias governamentais, de reverter esta situação. Nos anos 60, por exemplo, um governador do Rio Grande do Sul tentou, sem sucesso, montar um sindicato local para a distribuição de quadrinhos nacionais. Em 1963, foi criada uma lei federal que exigia a publicação de quadrinhos brasileiros, o que também não deu certo, assim como a lei de 1983 que obrigava jornais e revistas a trazerem um percentual de tiras nacionais.

O fato de estas tentativas não terem sido bem sucedidas não significa que a solução não poderia vir de uma ação governamental. Talvez o problema esteja na tão citada falta de hábito de leitura dos brasileiros. Se for o caso, programas de alfabetização e estímulo à leitura poderiam surtir algum efeito. Talvez outra solução pudesse ser a taxação de publicações estrangeiras, para criar uma proteção aos quadrinhos nacionais.

Notas

1. Em seu auge, em 1995, a circulação da Weekly Shōnen Jump chegou a 6,53 milhões de exemplares por semana. O caso japonês é bastante excepcional. Basta comparar com a revista mais vendida nos EUA, The Amazing Spider-Man, que, em dezembro de 2009, teve em média 61.000 exemplares por edição (a revista sai a cada dez dias). Fontes: http://en.wikipedia.org/wiki/Weekly_Sh%C5%8Dnen_Jump. Acesso em 16/12/2010. http://www.comichron.com/monthlycomicssales/2009.html . Acesso em 16/12/2010.

2. Fonte: http://www.bemparana.com.br/index.php?n=96080&t=turma-da-monica-jovem-bate-recorde-de-vendas.  Acesso em 16/12/2010.

3.  Fonte: site da Association des Critiques et Journalistes de Bande Dessinée (“Associação de Críticos e Jornalistas de Histórias em Quadrinhos”), http://www.acbd.fr/bilan/bilan-2009.html. Acesso em 17/12/2010.

4. João Paulo Lian Branco Martins: entrevista concedida à autora em dezembro de 2010

5. Leandro Del Manto: entrevista realizada pela autora em novembro de 2010.

6. Maurício de Sousa em entrevista concedida à revista Vozes, número 7, de julho de 1969. Apud Cirne, Moacy. A linguagem dos quadrinhos: o universo estrutural de Ziraldo e Maurício de Sousa. Petrópolis: Editora Vozes, 1971.

7. Gabriel Bá. Entrevista concedida ao site Pop Balões. Disponível em: http://www.popbaloes.com/bios/gemeos.htm. Acesso em: 27 jul. 2009.

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6 thoughts on “O mercado de quadrinhos brasileiro e seus problemas

  1. Realmente levar adiante a produção de HQ no Brasil tem um certo ar de heroísmo. Talvez o desenvolvimento de HQ com interface com redes sociais ampliem possibilidades aos autores. Muito mais do que apoio governamental que, no caso de política cultural, sofre de certa percepçao torta e elitista na hora de distribuir incentivos, veja-se os casos de Micaretas e Blogs de milhão de Reais. Bacana o Post!!!Parabéns!

  2. É realmente complicado se pensar em produzir quadrinhos no Brasil,os meu próprios projeto atualmente são todos voltados pro exterior. Só para não esquecer, ótima matéria. Espero que publique mais por aqui.

  3. O fato é que qualquer coisa nacional que surge aqui é um lixo. Turma da Mônica Jovem só recicla cultura otaku para crianças que não sabam como achar naruto de graça na internet e me recordo de uma vez encontrar na livraria um quadrinho nacional idêntico (tão idêntico que poderia ser acusado de plagio) a vagabond, onde até mesmo os vilões eram roubados do Takehiro.
    No Brasil não existe educação literária, não existe estímulo criativo, etc.

  4. Segundo Bryan Talbot, o papel de maconha é muito mais barato e ecológico que o de árvore.

    E sou só eu que acho distribuição em bancas um sistema falido?

  5. · 16 de julho de 2015 at 10:47

    A matéria esqueceu ou não quis apresentar outro fator relevante na desgraça dos HQs nacionais, Globo, na época de ouro dos quadrinhos no Brasil, o pessoal da Globo entupiu o país de obras estadunidenses sufocando assim o movimento dos quadrinhos brasileiros.

  6. Taxar publicação gringa foi a pior bosta que já li. Já não basta a Panini ser refém das distribuidoras e vc quer botar mais imposto em cima ainda? Essa matéria foi um DESserviço