Daytripper é o novo trabalho dos premiados quadrinistas brasileiros Fábio Moon e Gabriel Bá, e o primeiro da dupla para o selo adulto da DC Comics, a Vertigo. Day tripper, do inglês, “excursionista”, traduz quase que literalmente o plot da obra, se não fosse pelas interpretações metafóricas que o título induz ao longo das edições. A HQ se diferencia de todas as publicações da Vertigo no momento, por explorar algo até então, intocado: a simples trajetória de um homem comum ao longo de sua vida; suas frustações, alegrias e arrependimentos. Não temos elementos de fantasia como em Fábulas ou The Unwritten, nem tampouco intrigas políticas vistas em Air ou DMZ. É uma narrativa calcada na realidade do ser comum.
A história gira em torno de Brás, um brasileiro do sul do país, editor de obituário de um jornal, além de escritor nas horas vagas. A narração é extremamente sutil e evoca quase um olhar pessoal para os passos de um homem que busca um caminho para sua vida – e que tenta, enquanto escritor, fugir da sombra de seu pai. Um dos artifícios mais nobres que Moon e Bá utilizam, é o texto dos obituários. Cada passagem reflete os anseios da vida pessoal de Brás, levantando pequenos questionamentos ao longo da leitura. A metalinguagem torna possível a análise metafórica do título, passando a ideia de que o personagem principal, além de viajar fisicamente pelo país, faz uma excursão por entre a vida das pessoas do obituário, buscando talvez, mesmo que inconscientemente, alguma resposta para sua própria; ao mesmo tempo, leva o leitor em uma viagem por diferentes momentos de sua vida, permitindo uma análise mais profunda de seu ser. O nome não é por acaso, faz referência clara à obra de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, não só pelo nome do protagonista, como também por elementos de roteiro.
As edições são nomeadas com números que correspondem à idade de Brás, onde certos acontecimentos relevantes de sua vida são mostrados nas páginas, permitindo ao leitor compor a personalidade do personagem aos poucos e, em um mesmo compasso, entender a mente do brasileiro em questão. A arte é simplesmente espetacular. Consegue passar com incrível precisão, as localidades ambientadas em um cenário tipicamente brasileiro. A arquitetura dos prédios nas ruas, as roupas dos personagens, os carros e o interior das casas… O ambiente como um todo fora moldado com uma qualidade artística impressionante, deixando explícito justamente, esse jeito brasileiro de viver. Há de mencionar as fantásticas cores de Dave Stewart, que utiliza em certas edições uma variedade de tons quentes para compor seus fundos, aparentando ser o calor pulsante de um país tropical como o Brasil envolvendo os personagens. Principalmente na segunda edição, que se passa na Bahia. Em um outro momento da narrativa, mais precisamente na edição quatro, Stewart utiliza uma paleta de azuis, roxos e verdes para compor situações um pouco mais sérias e melancólicas e tons de amarelo morno para os flashbacks. A composição de toda obra, seja em desenhos, roteiro e cores está singularmente harmoniosa.
É interessante ver o talento de dois jovens artistas brasileiros aflorar e ganhar espaço no mercado americano de quadrinhos, que é tão disputado e porque não, exigente. Com Daytripper, os gêmeos têm conseguido arrancar boas notas da crítica especializada e, não por acaso. É um trabalho que merece ser reconhecido e conhecido, pelos americanos sim, mas principalmente por seu país (Em, Panini?). É a prova definitiva de que o Brasil, além de conceber fabulosos desenhistas, abriga também em seu seio talentosos argumentistas, que mesmo em uma história ambientada no Brasil, consegue fazer com que qualquer leitor, de qualquer nacionalidade, se identifique e se importe com o protagonista criado, e fique em mesma intensidade, tocado por aquela história que está sendo contada. Características não só do povo brasileiro mas, principalmente, da qualidade narrativa dos autores em questão. Daytripper é uma mini-série em 10 edições, com cinco já lançadas (nos EUA) e você confere a prévia do primeiro volume logo abaixo.
Fiquemos no aguardo para que essa fabulosa obra seja lançada aqui no Brasil, em algum momento. Tão logo quanto possível. 😀
Muito bom texto, fiquei com vontade de ler a obra.
Valeu Salvador! 😀
Vale muito à pena. As quatro edições que li até agora são de uma poesia espetacular. Fiquei fascinado!
Acho que a Panini deve esperar a série ser concluída nos EUA para lançar tudo junto em uma edição só.
Idem Salvador.