Em meio a tanta crise que tal falar de uma outra crise, a mais icônica no mundo dos quadrinhos: A Crise nas Infinitas Terras. E circulando por aí boatos de uma nova crise, trago uma visão histórica desta saga. Não tinha encontrado ainda um artigo aqui na Ambrosia sobre o evento e como esta história marcou minha vida, minha visão perante os quadrinhos de super-heróis. O autor Marv Wolfman fez com que o Universo DC que conhecia se moldasse aos anos que viriam, modificando toda uma estrutura clássica, minha infância terminava ali, a adolescência batia minha porta. A quem não conhece, convido a ler…
Para falar de Crise ou de qualquer delas, dentro do Universo DC, temos que iniciar falando do Multiverso, e para tanto iremos a sua casual origem, para não dizer imprevisto… Tudo começou com a Showcase #4 (1956) a HQ que é classificada como a primeira revista da Era de Prata, com a história que apresentava Barry Allen, como segundo Flash. A chegada daquele novo período para os quadrinhos remetia às novas versões de personagens já conhecidos pelos leitores, reformuladas aos anseios modernos e que estavam esquecidos por causa das restrições do Comics Code Authority e de outros gêneros de aventuras. Assim, em Showcase #4, tínhamos a única explicação que se dava para os quadrinhos protagonizados por Jay Garrick e seus muitos companheiros: suas aventuras transcorriam nas comics, ou seja, para Barry, Jay era só um personagem de HQ. Paralelamente, no meio científico, a Física Teórica conceituava o termo multiverso no início dos anos 1960, e sem dúvida a ideia de diversos universos paralelos influenciou e muito os acontecimentos subsequentes. Em The Flash #123 (1961), “Flash of Two Worlds” trazia a narrativa que daria a origem ao Multiverso DC. Nela Barry descobre que as histórias que leu de Jay, ocorreram realmente, em um universo paralelo e de alguma forma transcenderam ao subconsciente dos autores daqueles quadrinhos. Ambos universos ocupavam o mesmo espaço virtual, separados somente porque vibravam em diferentes frequências. Assim Flash que podia alterar sua própria frequência, poderia mover-se de uma Terra para outra.
Em 1963 começou definitivamente a ideia das infinitas Terras, com os encontros anuais que reunia os supergrupos da Liga da Justiça da América, da Terra Ativa e da Sociedade da Justiça da América, da Terra Paralela, ou Terra 1 ou Terra 2, como ficou conhecidas lá fora. E assim, desses encontros, novas narrativas entrelaçavam diferentes universos paralelos e muitos personagens outrora esquecidos debutavam. Na maioria das ocasiões, para justificar esses momentos especiais, toda a existência estava em perigo. E O Sindicato do Crime da Terra 3, o Homem-Antimatéria, a chegada do Tornado Vermelho, Os Sete Soldados da Vitória originais, Sandman, os Combatentes da Liberdade da Terra X, a Legião de Super-Heróis, os deuses do Quarto Mundo, entre outros personagens interagiam com frequência entre os mundos.
Com o passar dos anos, os encontros ficavam cada vez mais confusos, e leitores reclamavam daquele monstro fagocitador de universos alheios que estavam se tornando o Universo DC. Lembrando que a DC Comics adquiria os direitos de personagens de outras editoras e criavam suas correspondentes Terras, sem nenhuma explicação. O ápice foi quando as passagens entre os universos se faziam de forma indiscriminada e cada vez sem motivos aparentes, que confundia até os mais veteranos leitores. E Marv Wolfman surgiu com uma ideia para acabar com aquele caos.
O que foi A Crise das Infinitas Terras?
Marv cresceu lendo aquelas histórias dos encontros anuais entre os super-heróis da Era de Ouro e da Era de Prata. Em entrevista, disse certa vez que era algo especial, ler aquelas aventuras com os super-grupos. E como fã queria ler uma história que reunisse todos os personagens da editorial. O jovem Marv idealizou uma narrativa em que um vilão que seria o Bibliotecário, vivendo em um satélite em órbita da Terra, observava os heróis e venderia informações aos vilões. Os anos se passaram e Wolfman entrou na indústria e escrevendo para os Novos Titãs, apresentou um vilão baseado no seu Bibliotecário: o Monitor, que seria um vulgar traficante de armas, antes de chegar a Crise.
Pois bem, quando estava na Green Lantern, recebeu uma carta com uma pergunta intrigante sobre um erro de continuidade, que o fez refletir em algo que sonhava quando jovem. E pensou como faria para simplificar aquilo tudo, e pensou em seu velho personagem convertido agora em Monitor… Correu para apresentar uma proposta a mesa diretora da DC Comics sobre uma renovação de toda a linha editorial e que em poucos dias fora aceita. A mudança foi aceita, pois era necessária e todos sabiam disso.
Entre a preparação e a data do 50º aniversário da editora foi proposto que o primeiro número sairia até 1985, e no ano de 1983 a série foi anunciada com o título de The History of the DC Universe, e posteriormente modificada DC Universe: Crisis on infinite Earths. Peter Sanderson ficou responsável por colher e investigar todo o material já publicado pela DC Comics, fazendo uma linha do tempo para quem fosse assumir a obra.
Neste meio termo, a transmutação do Monitor ocorria, o personagem começou a aparecer em todas os títulos da DC, de maneira não tão forçada, mas que criasse dúvidas nos leitores. O satélite em órbita, o mistério de suas ações, sombras estranhas rondando vários personagens, alguém observando… Coordenados por Worfman, os demais roteiristas e desenhistas da DC criavam cenas e narrativas que direcionavam a grande saga que estava por vir.
O ROTEIRO DA SAGA
Wolfman teve poucas opções para fazer a “limpeza” nas infinitas Terras e com o Monitor já bem conhecido dos leitores desenvolveu um argumeto de caráter cósmico para arrasar o Multiverso e que teríamos diversas surpresas ao longo da saga. A primeira, após preparativos e numerosas aparições do personagem nas HQs da DC, era revelado que o cara não era o vilão enigmático que se anunciava, e sim o salvador. O sonho do jovem Marv se tornou realidade: o personagem reúne em seu satélite uma congregação de heróis e vilões para salvar o Multiverso de sua destruição.
A narrativa poderia terminar aí, mas Wolfman sempre dosificava suas histórias, imprimindo um ritmo calculado de ações e sensações. Crise mudava e surpreendia a cada página, enquanto mantinha a premissa, jogando com as expectativas e sempre dando algo que não esperávamos. E a editora aceitou tudo, por mais descabidas que fossem, essa liberdade se traduz no teor do resultado final da saga.
Os momentos que se seguem ficaram na memória de muitos: a morte do Monitor, traído pela Precursora, a promessa de uma esperança, surge em Alexander Luthor Jr., filho do único herói da Terra 3 e seu único sobrevivente, a apresentação do vilão, o Antimonitor, um ser do universo de antimatéria, que se nutre da destruição dos universos, quer ser o senhor de tudo que existe, os confrontos com os demônio da sombra pelo espaço-tempo, inclusive atacando em diferentes planos, a onda de antimatéria destruindo tudo que toca, a destruição da Terra 3 e os vilões do Sindicato do Crime se tornando heróis naquele último momento de vida, a trágica morte de Kara Zor-El, a Supergirl…
E seguimos com a ação, e não estávamos ainda recuperados quando chega a vez de Barry Allen, o Flash se sacrificar destruindo a arma definitiva do vilão, algo que ficou na lembrança de muitos, bem mais que a morte da Kara, pois com Barry morria a Era de Prata. A Supergirl fazia parte da intenção da editora na época de converter de novo o Superman como o único sobrevivente de Krypton.
Segue a Guerra dos Vilões, que invadem as cinco Terras ainda existentes, aproveitando o caos reinante. A aparição de Espectro anunciando que o Anti-Monitor está vivo e na Aurora dos Tempos está para impedir o surgimento dos Múltiplos Universos. O Universo unificado e a crise das dúvidas. O retorno do Antimonitor e a batalha final.
Minha opinião
Afinal, o veredito: Crise nas Infinitas Terras é tão bom assim ou é somente nostalgia? Creio que a série se tornou um dos poucos exemplos, se não o único, pois não me vem outro na cabeça, do gênero catastrófico levado aos quadrinhos de super-heróis, sem deixar de lado os confrontos com o vilão e suas hordas, o drama e sobretudo, o desenvolvimento dos personagens.
Mesmo que minha opinião esteja carregada de nostalgia, Crise nas Infinitas Terras impressiona por sua magnitude, sua ambição e sua qualidade como história épica. Poderia ser que após o tempo e dezenas de outros eventos, a primeira incursão no crossover massivo seria superado, entretanto não houve série como tal. A editora propiciou um vale-tudo dentro de sua continuidade, a dinâmica dos editores fez com que cada mudança, cada morte e cada resolução fossem parte orgânica da série e se extendendo por todo o Universo DC. Enquanto por um lado mortes massivas de personagens vitimas de uma onda de antimatéria, por outro, presenciávamos os heróis se emocionando, algo que não víamos regularmente nos títulos mensais.
O trabalho de Wolfman em planificar e cumprir tudo que propôs a editora e ao mesmo tempo criar uma história que se conecte com o leitor, que não seja um simples meio para um fim, mas uma obra de qualidade artística. Pelo seu ritmo perfeito, pelo desenvolvimento pausado no início mas acelerado a partir que a ameaça progride, os momentos importantes divididos ao longo do ano… E o final explosivo que ainda guarda fios para diversos outros epílogos de caráter mais íntimo.
Saindo do argumento e indo ao gráfico, seria imperdoável não pontuar o trabalho de George Pérez, que se converteu no desenhista de massas definitivo nesta série. Desde Crise nas Infinitas Terras, quando precisava de um ilustrador com capacidade para plasmar grande quantidade de personagens por pagina ou por capa, seu nome ja era colocado, assim foi com A Guerra dos Deuses, o último volume de The Brave and the Bold, a Crise final, a saga do Infinito pela Marvel ou o inesquecível crosover entre Vingadores e Liga da Justiça. A capacidade de detalhar e de desenhar diversos personagens, com distinção e reconhecimento é virtude de poucos desenhistas. Jerry Ordway matizou e deu profundidade ao trabalho de Pérez, lembrando que antes deste trabalho o veterano desenhou muitos dos personagens, algo que deu um tom de homenagem às cores escolhidas pelo artista.
Por aqui, houve as publicações mensais durante o ano de 1987, pela editora Abril. A minissérie de 1996, pelo aniversário de dez anos, em três edições no formatinho ainda, também pela Abril. As duas edições em formato americano que a Panini trouxe no incio deste século e recentemente a edição definitiva com tudo que um colecionador espera de uma obra dessas.
Uma obra única, plenamente marcada no gênero super-heróico e cuja qualidade e caráter como a “ultima história da Era de Prata” a faz tão desfrutável sem importar a passagem dos anos desde sua publicação. É inevitável, em algum momento do futuro, ainda falarmos de Crise nas Infinitas Terras.
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