Pegue alguma HQ, qualquer uma! O que veremos? Protagonistas e antagonistas interagindo, diálogos e interlocuções… Mas já notaram que esses personagens ignoram quem esteja olhando suas ações? Atuam com naturalidade porque o leitor está ausente do relato: quem o ler está oculto, é invisível. A maioria dos argumentos e roteiros se estruturam desta maneira. Mas há um gênero narrativo que, sem dúvida, se estrutura de outra forma: os quadrinhos eróticos.
Lembremo-nos de Milo Manara. Nas histórias de Manara, os personagens e, especialmente, as mulheres, sabem quem está olhando e reagem de maneira curiosa, também convertem o olhar para quem está lendo. Um olhar direto, desnudo, provocativo, olho no olho. Isso ocorre somente neste gênero, pois sempre o leitor está fora do cenário, longe do relato daquelas páginas.
Pode até que em alguns relatos de Daniel Clowes ou Adrian Tomine os personagens também se relacionem com o seu leitor, entretanto, a função narrativa deste efeito é diferente. Os personagens de Clowes e Tomine são inadaptados, incômodos dentro da história e reclamam ao leitor que os tire dali. São olhares desesperados que suplicam sair do mundo claustrofóbico em que estão encerrados.
Nos quadrinhos eróticos, a função do olhar ao leitor é muito diferente: é de seduzir, de cumplicidade, que busca convidar o leitor a entrar na narrativa, a participar no relato. São olhares que indicam ao leitor que ele é o verdadeiro protagonista da história, não os personagens que estão ali nas páginas.
Existem outros recursos para visualizar este protagonismo, além do olhar do leitor. O principal é a disposição dos personagens nos quadros, de uma forma que se situam para não escapar do leitor. O mais relevante sempre é visível, nos relatos pornográficos não há lugar para a elipse, não há espaço para o silêncio. A composição dos quadros se estrutura de maneira a privilegiar o ponto de vista do leitor. Os personagens se organizam para a perspectiva do leitor.
Agora pensem nas lascivas e descaradas mulheres de Manara, o olhar que elas fazem levam o expectador para a história. Nos descobrem, sabem que o leitor está ali, olhando, E o mais importante sabe que não é um mero voyeur. Não esta ali espiando, se escondendo, suste seu olhar.
Se em outros gêneros o leitor centraliza a cena, assiste a uma história e lê uma série de acontecimentos que ocorrem independentemente de sua presença, nos quadrinhos eróticos, os personagens desfilam e posam pra ele, numa hierarquia, que vai da maneira mecânica à adaptação da perspectiva de seus leitores. Neste sentido, podemos dizer que o leitor é imprescindível para o desenlace narrativo dos quadrinhos eróticos: sem sua presença, a obra não está completa. Acredito que em nenhum outro gênero tem o leitor tanto poder e tanta relevância narrativa. O que acham, amigos ambrosianos?
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