Com 2014 terminando, um ano difícil, refletindo nas postagens, nas leituras, escassas, me decidi beneficiar na releituras, levar um pouco os leitores aos anos noventa do século passado.
Mais precisamente no ano de 1992, um ano marcante, entrava no ensino médio, fiquei mais próximo da única banca de revistas da região e da primarada que conseguia trazer o que saia de melhor em quadrinhos na época. E tratando-se do Batman, foi um ano venturoso para o cavaleiro das trevas. O segundo filme dirigido por Tim Burton, a estreia de uma série de animação que faria história e a consagração definitiva como personagem central da DC Comics, a frente mesmo de Superman. A franquia crescia com brinquedos e produtos variados. Foi neste cenário e Dennis O´Neil lança a graphic novel que contaria a origem definitiva de Ra´s al GhulL.
Batman – O Nascimento do demônio completou uma série de narrativas centradas no confronto entre o Detetive e Ra´s, anteriormente sob o roteiro de Mike W. Barr, que esboçou alguns detalhes do passado do vilão e deixou aberto alguns fios de argumento. Sem dúvida, só o criador poderia contar a história do personagem e Dennis pegou esses cabos soltos, como chamou, e decidiu-se por explicar o processo de transformação do jovem médico do Magreb ao líder de una organização ecoterrorista.
A narrativa começava assim:
“Este é um tempo de loucura. É um tempo de misturar coisas que deveriam para sempre permanecer separadas. Pois ao meio-dia a luz morreu e a escuridão reivindicou o oásis, e agora o céu ralha e se divide, e irregulares lâminas de luz cortam a terra abaixo, e o próprio deserto se ergue e cavalga o vento gritante derrubando qualquer coisa em seu caminho. Assim o dia assume a aparência da noite. A água e a areia aliam-se. Agora, veja. Do turbilhão de insanidade de um mundo em tormenta vem um homem. É um eremita, que durante estes últimos quarenta anos tem vivido sozinho em um lugar sem misericórdia. Alguns dizem que ele é um profeta. Alguns dizem que ele é um demônio. Todos dizem que ele há muito tempo abandonou aquilo que faz de uma criatura um ser humano.”
A partir daí um novo capítulo nos confrontos entre Batman e Ra´s se inicia. Na ocasião, o morcego está próximo de encontrar o instrumento de poder e tendão de Aquiles do vilão, o poço de Lázaro. Consciente da necessidade de Ra’s tomar seu banho revitalizador periódico, consegue impedir o acesso dele, como também das linhas de poder que habilitam outros pontos geográficos às qualidades de ressurreição do poço. Em suas pesquisas, Batman recebe uma cópia de um manuscrito, meio que chamuscado, com o qual se relata precisamente a história que intitula a HQ.
Dennis O´Neil elabora uma história trágica, onde as nobres intenções de um homem acabam tornando-se num banho de sangue, pelo nome da vingança. Não se trata de um argumento excessivamente original, mas justifica certa imponência num vilão que sempre se distinguiu dentro da retorcida galeria de adversários do Batman. Na região de ditadores obcecados com o poder, e com essa narrativa descobrimos aspectos ainda não conhecidos daquele maléfico vilão. Previamente, Barr colocou gestos de afeto – por sua filha, por sua esposa – porém O´Neil apresenta um jovem despojado de sofrimento que alimentaria a forja do mito que surgiria. O resultado não é tão mal, mas poderia ser melhor se o roteirista tivesse extirpado alguns detalhes estereotipados do contexto. Assim, o reino perdido onde se desenvolve a história central, é um estranha cópia do Oriente médio, no norte de África, da época do esplendor dos Califados e com um toque do império chinês. Enfim, não seria surpresa a criação de O’Neil para a terra de Ra’s, se levarmos em conta a sua Boca Caliente, Estado insular no Caribe que criou para a Marvel.
Norm Breyfogle desenvolve o melhor da graphic novel, sem dúvida, as ilustrações que Norm já tinhaexperiência de anos com a franquia do morcego, consegue criar um trabalho de ilustrador completo que deixa a patente da qualidade de seu trabalho. Dos dias iluminados do deserto às noites tenebrosas de Gotham, dos ambientes oníricos do pesadelo que povoam os sonhos de Ra´s à realidade cotidiana do mundo contemporâneo… e sobretudo, a expressividade que se apodera dos rostos dos personagens: alegria, medo, desespero, loucura, fúria… Não seria este o único projeto especial que o desenhista daria vida ao universo “batmanesco”, mas aquele em que alcançaria o maior nível de sua carreira.
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