Peter Milligan enfim retorna com o seu Skreemer, o mais acessível de suas obras em nível conceitual e, sem dúvida, a mais densa literariamente analisando.
Publicada em 1989, a minissérie de seis números que a Panini está lançando em uma edição em capa dura, que já foi lançado por aqui por duas vezes pela editora Abril: em 1990, seguindo a minissérie original, e em 1991, como encadernado. E uma outra pela Brainstore, em 2003, no formato álbum de luxo, mas em P&B. Foi o primeiro projeto que Milligan realizou na DC Comics, após debutar na inglesa 2000 AD e na Eclipse Comics. Um trabalho que se publicou sob o selo da DC, e não pelo selo Vertigo… que surgiria quatro anos depois. Seja como for, tanto a história como os implicados (a editora era Karen Berger, principal responsável da linha Vertigo após sua criação) tinham – e conservam – o estilo inconfundível do selo mais autoral e independente da editora norte-americana.
Porém apesar dos elogios unânimes da crítica, Skreemer não foi bem nas vendas. Perdida entre a “invasão” britânica de roteiristas, publicada no verão em que o filme do Batman de Tim Burton estreava e sepultada pelo êxito de um The Sandman, ninguém deu conta na proposta do irlandês recém-chegado. O que não foi obstáculo, por certo, para que se tornasse um autor regular na editora e, posteriormente, uma estrela.
Ambientado no ano 38 após A Queda, na Era do Gigante, um período que precede a idade da reconstrução e que parece ser um futuro sinistro e pós-apocalipse dominado por gangsteres. Ou seja uma ucronia do período que veio após o crack de 1929. Neste contexto e como uma retrospectiva, o narrador omnisciente de nossa história – Peter Finnegan, nos contará o auge e a queda do maior gangster de todos – Veto Skreemer – e daqueles que foram seus dois melhores amigos: Dutch Amsterdam e Victoria Chandler. Paralelamente assistimos as dificuldades e tragédias que a família Finnegan sofreu ante a vivência perante a proximidade do poderoso chefão.
O autor constrói uma narrativa complexa e poliédrica, e com a insistência da DC Comics para trabalhar com eles e a vontade de Brett Ewins em desenhar uma história de gangsteres, Milligan concebeu uma trama em que estruturaria de acordo com o seu interesse pessoal. E assim fez uma descrição da cultura norte-americana, introduzindo uma enorme variedade de temas que se amalgamam, rico de subtramas e uma quantidade de protagonistas tendo em conta que se trata de uma minissérie de seus números. Um argumento que narra o destino de Skreemer e como os diferentes passos ao longo de sua vida que levam a um final irremediável que o próprio vislumbra desde suas origens, selado e qualquer coisa que fizesse para remediá-lo, será infrutífero.
As referências que encontramos exigem muito do leitor. O roteirista irlandês se inspirou pelos filmes Era uma vez na América de Sergio Leone e Caçada na Noite de John Mackensie e no livro Finnegans Wake de James Joyce. Além das referências filosóficas de Giordano Bruno e Giambattista Vico, os detalhes e homenagens a James Joyce, a 1984 de George Orwell, a de O Poderoso Chefão, de Mario Puzzo e Francis Ford Coppola, etc. Tudo isso para compor o retrato dos imigrantes irlandeses e o crime organizado surgido em seu meio nos EUA. Algo parecido ao que os irmãos Ethan e Joel Coen fizeram com Ajuste de Contas (Miller’s Crossing, 1990).
O desenho de Brett Erwin e a arte-final de Steve Dillon, perfeitamente unidos para criar um típica amostra gráfica dos finais dos anos 1980 e início dos 1990. O manejo das proporções e volumes retilínea e angulosa, num traço fino/médio, com um cuidado artesanal pelos detalhes de ambiente e de expressões de cenas. Já a sutileza expressiva não varia muito, apenas existe uma diferença na emoção de um e de outro, incorporada na fisionomia exagerada de cada personagem.
Sobre a arte-final, temos as proverbiais manchas de tinta, que adquire a responsabilidade do valor expressivo da HQ, ainda a ponto de sacrificar a coerência do tom iluminado. E por último, destaco a efetiva, porém limitada, paleta de cores de Tom Ziuko e os tons que usa para os flashbacks: variações esverdeadas, em tons marrom, ocres, cinza e rosa que contrastam com as cores planas empregadas para o presente.
A obra de Milligan é sem dúvida densa, referencial e conceitualmente, muito exigente para com o leitor, ao mesmo tempo que trata genialmente de um pessimismo existencialista asfixiante. A primeira mainstream do irlandês, sutil em introduzir os postulados filosóficos, potente em narrar uma narrativa de vida, morte e sexo e deslumbrante pela arte apresentada. Uma obra de leitura obrigatória ao leitor ao quadrinho conceitualmente rico, que merece está em sua estante e em sua mente.
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