No dia 25 de outubro de 2014 em Belo Horizonte, aconteceu o “1° Encontro Lady’s Comics: transgredindo a representação feminina nos quadrinhos“. Talvez pareça precipitado dizer que foi o evento mais importante de 2014 sobre quadrinhos. Não espero que todos concordem comigo. Ainda assim, é o que acredito.
Feiras à parte, nunca vi um evento de quadrinhos com tantas mulheres juntas. Discutindo a recepção que as mulheres têm no mercado como produtoras e consumidoras, e problematizando as relações de poder que nos oprimem, nos calam e que ajudamos a perpetuar quando achamos que o panorama já está bem dado e bem acolhedor para nós, mulheres.
Sabemos que nosso esforço para dismistificar o tema “quadrinhos feministas” ou “quadrinhos para mulheres” não é a toa. Não pertencemos a uma subcategoria marginalizada. Produzimos quadrinhos e nos produzimos. Dá-lhe esforço, viu? Mas vamos falar do que interessa!
O encontro começou com a mesa “Quadrinhos e erotismo – Desconstruindo signos masculinos”, com participação das quadrinistas Sirlanney, Gabi Masson (lovelove6), Thais Gualberto e moderado pela Samanta Coan, que trouxeram ao debate considerações feministas, em que a mulher é protagonista do próprio prazer, por isso não são representadas através do pornô mainstream heteronormativo. Falaram de como investigam em suas produções a criação de suas próprias narrativas de tesão, representando corpos reais e explorando a diversidade sexual LGBT e também hétero (mas fora dos estereótipos).
Seguidas da mesa “Investigando personagens femininas” com Lucas Ed, Natânia, Gabriela Borges e Afonso Andrade e depois o painel “Troca de Saberes: experimentações do traço e roteiro” com Lu Cafaggi. Confesso que essa hora esqueci que teriam mesas e fui almoçar… Mas as mulheres que ficaram para assistir se disseram muito satisfeitas com um aprofundamento na produção prática, no fazer artístico.
Os painéis foram rapidinhos mas com muita diversão e despojamento tivemos a oportunidade de ouvir as quadrinistas Nathália Garcia, Danielle Barros, Julia Francisca e Ely Sena narrando seus processos criativos e Virginia Froes, Aline Zouvi e Ana Tamiris Gonçalves com suas pesquisas acadêmicas acerca da utilização de quadrinhos como ferramenta pedagógica, a obra da quadrinista Alisson Bechdel e “discursos associados ao feminismo e ao feminino através da construção da personagem Rê Bordosa” do quadrinista Angeli.
O debate-central com o tema do evento “Transgredindo a representação feminina nos quadrinhos”, mediado pela Mariamma Fonseca, com participação das veteranas Ana Luiza Khoeler, Chiquinha e Cynthia Bonacossa foi o ponto mais problemático do dia. Enquanto as participantes narraram suas trajetórias, Ana Koehler conseguiu mostrar a transgressão da representação de gênero em seu trabalho, mostrando a importância de se representar corpos fora do estereótipo branco, magro, com mulheres protagonistas de suas histórias.
Já Chiquinha e Cynthia falaram que a transgressão em suas obras se dá pelo fato de representarem seus corpos e suas condições cotidianas, mas que não produzem necessariamente quadrinhos feministas. Aparentemente uma visão de que suas realidades como mulheres bem sucedidas no mercado de quadrinhos não são feministas e transgressoras por si só.
Foi interessante ouvir suas trajetórias e seus processos, já que enquanto Ana Koehler nos aproximava do esforço que é realmente representar a “transgressão da representação feminina”, Chiquinha e Cynthia nos mostraram que há debates de gênero que precisamos intensificar para sairmos de um suposto “guetto” que a maioria dos homens que produzem quadrinhos tentam nos impôr que pertencemos e que se não estamos atentas, acabamos perpetuando.
A mesa “Mídias transgressoras contra mercados uniformes” mediada por Ricardo Tokumoto com as quadrinistas Bianca Pinheiro, Beatriz Lopes e Anna Mancini, encerrou o evento falando das dificuldades e de meios de se autoproduzir, através das editoras já reconhecidas, nas webcomics, com ajuda do catarse, nos projetos coletivos e nas zines impressas. Falaram também da ilusão de se qualificar quadrinhos autobiográficos como piores ou menos importantes que quadrinhos ficcionais já que tudo parte de uma investigação do sujeito pensante e cheio de subjetividades que produz quadrinhos.
Além dos debates e dos painéis, teve espaço pra livre-exposição (era só pegar papel, caneta, criar e pendurar sua arte), venda de livros, troca de zines, troca de contatos, troca de amor, almoço junto, saída pro bar… Durante o evento gravei alguns vídeos e juntei tudo pra dar a perspectiva do que foi a essência do evento pra mim e acredito que pra muitas. Segue o vídeo:
Mais uma vez, obrigada a toda a equipe Lady’s Comics. Obrigada às pessoas que conheci, que trocaram suas experiências de vida e de criação comigo, que me encantei e me apaixonei.
Vida longa ao Encontro Lady’s Comics!
Vida longa às mulheres que pensam e produzem quadrinhos!
Somos todas rolezêras!
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