Pensei em uma forma de começar este texto falhando. Conclui que o melhor jeito seria se eu tentasse entender a mente do autor. Compreender seus anseios, medos e sonhos. Interpretar a obra traçando o clássico paralelo com sua trajetória de vida. “Vida e obra”, como a crítica adora. É elegante. Mas aqui, não cabe. Seria um desrespeito.
Ultralafa é uma coletânea de tiras de autoria do talentoso Daniel Lafayette, publicadas pela editora LeYa/Barba Negra em uma edição belíssima. Conta a sua, a minha e a história de todos, em um formato de crônicas em arte seqüencial – como o próprio subtítulo do livro permite inferir: “O mundo paralelo do nosso dia a dia”. É impossível não se identificar com ao menos uma das centenas de tiras que o encadernado possui, e tão igualmente improvável não se divertir com todas. Lê-las é uma viagem não só a um mundo paralelo, mas à outra dimensão de uma linha temporal cujo passado é compartilhado pela nossa realidade. É olhar para trás com os olhos de um outro alguém.
Lafayette nasceu em 1977, Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Filho de artista plástico, trocou o design pelos quadrinhos e atualmente cursa Filosofia. Trabalhou para o Jornal do Brasil entre os anos de 2005 e 2007, e hoje é parte do grupo Beleléu, onde publica esporadicamente – além de publicar também em seu blog pessoal.
As tiras possuem um estilo próprio. Os personagens retratados na maioria das vezes como bichinhos fofos, representam a candura diante da malícia do mundo moderno (as páginas propositalmente sujas nas bordas seriam uma pista?), em situações que mesclam doses de humor negro, piadas propositalmente inocentes e contextos muitas vezes non sense, que lembram ao mesmo tempo a complexidade caótica (caos na visão da mecânica quântica) das improbabilidades da vida cotidiana e a visão distorcida e extraterrestre da simplicidade das relações humanas. Uma fusão de Monty Pyton com Sérgio Porto.
É uma obra sem restrições. Consegue ser universal e concomitantemente brasileira sem ser chata – incrível como dizer que algo se embebe de influências da cultura nacional para pensarmos em adjetivos menos elogiosos. Não há como não se identificar ao ler “Reflexões sobre a morte da bezerra”, “Alguns motivos para não ir à praia no final de semana” e “O incrível Homem Comum” e não vermos a alma do brasileiro em tais tiras.
Em última instância, é um livro suntuoso, fruto de uma vida dedicada à arte seqüencial. E de fato, não seria respeitoso, como disse inicialmente, se o foco deste texto fosse outro que diferisse da entidade cuja uma vida o autor dedicou: os quadrinhos.
Para ler on-line: ultralafa.com
Entrevista com o autor: Editora Barba Negra: Submerso – Daniel Lafayette
De um mestre a outro: Fortuna Crítica: Ultralafa, de Daniel Lafayette
[xrr rating=4.5/5]
Comente!