Resenha: Dark Sun

16
4

Como os fãs de D&D já sabem, a 4e tem recebido todos os anos versões atualizadas de cenários antigos. Primeiro tivemos Forgotten Realms (que logo deve sair aqui pela Devir), depois Eberron (que nunca teve uma versão nacional) e agora temos Dark Sun. Dos três lançados, o único que não teve uma versão oficial na 3e foi o último. Fãs mantiveram o cenário vivo durante o período da edição anterior, através de sites próprios e da criação de material novo.

Dark Sun é um cenário exótico. Athas (o mundo de Dark Sun) já foi um mundo típico de D&D até ser alterado pelo uso da magia arcana, que nesta ambientação se alimenta e corrompe a energia vital do mundo. Ele se tornou um grande deserto, onde as raças tradicionais tiveram que se adaptar para sobreviver. Enquanto em outros mundos elfos costumam ser visto como uma raça superior, aqui eles são perigosos, traiçoeiros e, muitas vezes, criminosos. Já os halflings adotaram uma cultura tribal e praticam canibalismo. Metal é raro, então armas e armaduras são feitas de ossos, pedra e madeira. Magia arcana é vista com temor e o psionismo é algo comum. O cenário sempre foi conhecido pela letalidade e o tom de cinza, onde ficar vivo é mais importante do que fazer o bem.

Por isso muitos fãs ficaram preocupados com o anúncio que DS passaria a ser um dos cenários da 4e. A adaptação de Forgotten Realms foi considerada ruim por muitos fãs do cenário e a de Eberron não chamou muita atenção. Lidando agora com uma ambientação tão diferente do comum, será que a WotC conseguiria fazer uma boa conversão de Dark Sun para 4e?

Os fãs podem ficar tranquilos. O novo Dark Sun consegue manter o conceito da versão original do cenário, apesar de sofrer algumas alterações na nova edição.

Na 4e o cenário está contido em um único livro (Dark Sun Campaign Setting). Ao contrário dos dois cenários anteriores, não é necessária a compra de um livro com a descrição do cenário e outro com as regras específicas dele. Entretanto, a compra do suplemento Dark Sun Creature Catalogue é recomendada por possuir uma lista de criaturas comuns além de fichas de NPCs importantes. Além desses dois livros existe ainda uma aventura oficial, a Marauders of the Dune Sea.

Comecei com essa explicação sobre os livros necessários para jogar por quê ela vai ajudar na compreensão de como essa adaptação foi feita. Devido a limitações de espaço, o estilo de escrita tende a ser mais sucinto e direto nas descrições do que as duas edições anteriores de Dark Sun. Em vez de passar muito tempo falando sobre cada tópico do cenário, os autores preferem falar dos pontos mais importantes e transmitir os conceitos fundamentais de cada um.

Olhando a descrição das raças, por exemplo, cada uma recebe em torno de uma coluna de texto descrevendo suas características específicas em DS e algumas sugestões de históricos (com as regras de backgrounds do Dungeon Master´s Guide 2). Elas detalham bem as diferenças dos personagens nascidos em Athas, dando aquele toque exótico e característico do cenário. Entretanto, certas coisas são omitidas ou diminuídas em relação ao original. Algumas para simplificação, como a menção de como anões tendem a se fixar em objetivos específicos sem a inclusão de regras específicas para isso. E outras por serem pontos que poderiam causar atritos entre jogadores, como os ‘testes de confianças’ dos elfos que muitas vezes poderiam gerar discussões no grupo devido a algum jogador com pouco bom senso.

Essas simplificações não afetam a capacidade de transmitir o conceito do cenário. Ele continua tão violento, mortal e único como sempre foi. E para conseguir isso, os autores não se importaram com o que fosse preciso mudar nos conceitos da 4e. Tanto em regras quanto em ‘feeling’ geral do jogo, diminuindo o tom heróico e bondoso.

A forma como a escravidão é tratada demonstra isso. A prática é considerada algo comum e aceito, sendo que só personagens Bondosos se sentem desconfortáveis e não teriam escravos. E mesmo eles não irão tentar salvar cada escravo que encontrem, porquê isso é impossível. A maioria dos donos de escravos são Imparciais e isso é algo comum e aceito.

Outra coisa é o canibalismo. As descrições de duas raças para personagens-jogadores (halflings e thri-kreen) deixam bem claro que praticam isso. São coisas assim que demostram que em vez de tentar fazer os personagens parecerem os grandes heróis que irão consertar o mundo, o livro mostra como a preocupação maior é sobreviver. Todas as pessoas são inimigos em potencial, não existe lugar seguro e mesmo o ambiente pode matar. Dentro das poucas cidades os personagens precisam sobreviver as intrigas de facções lutando por poder e a ditadura de Reis-Feiticeiros com poderes quase divinos. Fora delas, o clima é inóspito e mata pessoas despreparadas em pouco tempo. Os animais são seres modificados pelo uso de magia arcana (que em Athas, corrompe e mata a maioria dos seres vivos) ou que evoluíram para sobreviver num ambiente cada vez mais perigoso. Sem esquecer os ladrões, escravistas e os canibais, já citados acima.

Nas partes mecânicas, em vez de forçar para que o cenário aceitasse tudo do sistema, os autores resolveram fazer a 4e se adaptar ao cenário. Classes divinas não existem. Rituais que permitem criar água ou refeições não existem. Outros sofreram modificações para não se transformarem numa saída fácil para enfrentar os problemas de Dark Sun. Da mesma forma, itens mágicos que permitiriam sobreviver mais facilmente ao deserto não existem. Essas são só algumas das regras padrão, ele também recebeu várias regras opcionais que o Mestre pode escolher utilizar. Armas são feitas de material improvisado, então existem duas regras opcionais para simular a quebra dela. Para simular a impossibilidade de usar uma armadura de metal no deserto, existe uma regra que simula o desconforto que seria usar algo assim em Athas.

Algumas concessões são feitas. Tieflings e eladrins foram incluídos, mas ganharam uma adaptação no cenário. Existe ainda a possibilidade de incluir algumas outras raças que não deveriam existir. Mesmo classes divinas podem ser incluídas se o mestre quiser. E esse é o ponto que eles repetem várias vezes. O mestre pode modificar o cenário como quiser, o livro só traz a estrutura padrão e tenta gerar um ambiente interessante para o jogo. E para isso, eles incluem ganchos de aventuras sempre que possível.

Essas inclusões ocorrem muitas vezes na descrição do cenário. Cada cidade e região é descrita, com quantidades de detalhes variando. É esperado que Tyr seja a cidade padrão do jogo, então ela recebe mais informações e ganchos. As outras cidades também recebem uma boa quantidade de descrição, sempre com a preocupação maior em dar idéias e oportunidades de aventuras para os grupos do que muito detalhamento. Novamente, o material descritvo é bom e transmite o conceito do cenário, só que é possível notar que os autores se preocuparam mais em mostrar coisas interessantes para incluir no jogo que detalhes que podem nunca aparecer.

Além do material específico para o cenário, o livro traz material novo para quem não está interessado em jogar em Athas. Duas novas raças (muls e thri-kreens), novos talentos, novos builds de classes, novas trilhas exemplares, novos caminhos épicos e a mecânica de temas. De todas as opções, a última é a mais importante. O funcionamento dela é como os antigos kits de Ad&d. O jogador escolhe um tema quando cria o personagem, para representar algum aspecto fundamental, como ser um gladiador ou um nômade do deserto. O tema concede uma nova habilidade gratuitamente e oferece novos poderes que podem ser escolhidos no lugar dos poderes de classe. Elas não possuem limitações quanto a classe, então você pode ser um sacerdote dos elementos mesmo se não for uma classe primal. No momento limitado a Dark Sun, essa mecânica vai passar a ser uma opção padrão do D&D a partir do ano que vem. É algo que aumenta a complexidade da criação de personagens, só que parece trazer também novas idéias e opções para customização. É aquele tipo de regra que em certos grupos vai servir para definir melhor um personagem-jogador, enquanto em outras vai servir para combos.

Mecanicamente o livro está muito bom. Diversas opções interessantes, o novo build de guerreiro é ótimo para quem quer simular um combatente que utiliza de armas exóticas. Algumas das trilhas e caminhos são específicos demais de Dark Sun, mas existem coisas que podem ser usadas em outros cenários com facilidade. Idem para o novo pacto disponível para os bruxos, basta alguma adaptação. Alguns temas já podem ser usados para outros cenários sem grandes modificações. Vários mundos tem gladiadores ou guardiões da natureza, mas vai ser mais difícil explicar um templar.

Na parte descritiva também fiquei muito satisfeito. Ela consegue passar o clima original do cenário, apesar de como apontei no início da resenha, algumas coisas terem sido resumidas ou simplificadas devido ao espaço disponível. Athas continua um mundo perigoso, violento e fora do padrão, ótimo para quem quer jogar algo fora do tradicional de D&D. Então, quem é fã pode ficar contente. Vocês voltaram a ter suporte oficial e de qualidade para o cenário.

E aqui eu termino com um comentário mais pessoal. Nunca fui muito fã de cenários prontos de D&D. Dark Sun era algo que gostava, só que nunca cheguei a mestrar por diversos motivos. Acompanhando o desenvolvimento e lendo o livro, pela segunda vez desde que comecei a jogar a quase duas décadas atrás, tive vontade de mestrar num cenário pronto de D&D. Mestrei em Dragonlance e alguns cenários de D&D de outras empresas, mas exceto por Ravenloft, nenhum tinha me entusiasmado tanto.

O que acabou me fazendo mestrar uma sessão com o livro novo um dia depois de terminar de ler. E posso garantir que foi ótimo. Porque o mestre sabe que todo mundo se divertiu quando, ao final da sessão, a primeira coisa que os jogadores perguntam é ‘fim de semana que vem a gente joga de novo, né?’.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

4 thoughts on “Resenha: Dark Sun

  1. Kimble, vou botar fé na sua resenha [excelente, por sinal]!

    Estava torcendo para o retorno de um dos melhores cenários de D&D. Dark Sun, mantendo o conceito original. é diversão garantida;

  2. E o melhor é que a Devir disse que vai traduzir até o ano que vem se não me engano, só traduzindo o livro do poder psi antes 😉

  3. Dark Sun é no mínimo divertido. Estou louco pra jogar uma partida! Definitivamente!

  4. Beleza de resenha! Obrigado