Voltando a Sebe: Um Post-Mortem de Changeling

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Escrito por Ethan Skemp para a Epitaph, a revista online da White Wolf, este pequeno artigo, me parece soar como uma despedida da linha. Não sei se com o lançamento de Swords at Dawn e Goblin Market veremos o fim de Changeling, mas com seu estrondoso sucesso (muito maior do que seu antecessor The Dreaming jamais sonhou) é possível que novos livros apareçam no caminho. De qualquer forma, achei interessante a idéia de traduzir este Post-Mortem, pois para mim Changeling: The Lost é de muito longe uma das melhores idéias para um RPG concebidas nessa década. O fato é, por enquanto, é o fim de Changeling: The Lost.

changelingthelostlargePlantando os espinhos

Para começar uma pequena história.

Eu comecei na White Wolf como um editor da casa – não do tipo que chamamos de “editor de linha” que implica em um maior poder sobre o controle do conteúdo, isso é o que chamamos de desenvolvedor. Eu estava tomado no negócio de provas de leitura, edições gramaticais, clareza, e coisas simples dessa natureza. Eu sempre ficava impressionado com aqueles capazes de tomar conta de uma linha de jogos, e certamente pensava que gostaria de tentar isso um dia.

Naquele tempo, se fosse depender de mim, eu acredito que minha primeira escolha teria sido “Changeling: The Dreaming”. Em retrospecto eu estava provavelmente hipnotizado pela arte, não apenas as belas páginas inteiras de Diterlizzi, mas também os esquetes de personagens feitos por Josh Timbrook. Havia também o simples fato de que, bem, estávamos falando sobre fantasia. Minha mãe me iniciou em Tolkien, Lewis e Dumas desde cedo, e também me deu a caixa vermelha do D&D, uma passagem para meu inicio com os jogos. Trabalhar em um jogo onde redcaps e trolls eram personagens jogadores, me parecia muito atrativo. É claro que este não era exatamente o meu destino, e ao invés disso acabei indo parar no mundo de Lobisomens – um mundo recompensador o suficiente para me deixar indagando por que esta não teria sido minha primeira escolha desde o começo.

changeling_the_lost__escape_by_moritatPassamos adiante. O Mundo das Trevas havia explodido em uma chuva de destruição apocalíptica mais ou menos na curva do milênio, e não querendo ser batido ao usar a velha metáfora da Fênix, um novo Mundo das Trevas surgiu das cinzas. Eu ainda estava trabalhando com Lobisomem, e amando o serviço, mas nós chegamos a um ponto onde os três grandes havia sido lançados (NdT: Vampiro, Lobisomem e Mago), nós poderíamos seguir em qualquer direção com as linhas ainda por vir. Nós poderíamos trazer algo completamente novo, e um desenvolvedor não estava mais preso a somente uma linha, podendo trabalhar em outras (NdT: Ethan é atualmente desenvolvedor de Mago, Changeling e Lobisomem).

Então eu sugeri um novo Changeling.

Bem, não era exatamente o ano para isso. Nós decidimos, e foi bem correto, que seria melhor para todos se nos trouxéssemos algo inteiramente novo, algo que dissesse: “O Mundo das Trevas não irá seguir os mesmos paços do antigo”. E então Promethean: The Created foi lançado, e era maravilhoso. No fim do mesmo, começamos a conversar sobre o que fazer em relação ao “quinto jogo”.

E então todos sugeriram um novo Changeling.

changeling__the_lost_by_one_voxRegando a Sebe

Eu não sei se foi o zeitgeist (sem piadas com Geist, por favor), mas naquele ponto todos percebemos que tinha de ser. Depois de algumas revisões, minha sugestão foi escolhida como vencedora, com uma alteração: minha sugestão envolvia changelings que haviam nascido dessa forma, mas Bill Bridges havia lançado a idéia deles serem abduzidos que teriam encontrado seu caminho de volta (Bill, eu devo mencionar é um incrível gênio. Ndt: Desenvolvedor original de Mago: O Despertar). Eles me pedira para revisar a minha sugestão tendo essa idéia como principal, e uni-la com minhas idéias prévias como as Cortes Sazonais, Seemings customizáveis e uma Sebe (Hedge) alienígena ainda como o coração daquela interface. E eu o fiz. E naquele momento eu comecei a pensar: “sabe, nós temos um jogo realmente bom aqui”.

E como acabou transparecendo, nós tínhamos. Ainda havia um grande número de detalhes para serem polidos, é claro. Nós tínhamos que entender magia através de Contratos. Nós tínhamos que ter certeza que se fossemos usar uma abordagem 4×6 ao invés de 5×5 para a criação de tipos de personagem, nós deveríamos tê-los feitos ainda mais memoráveis pela troca, portanto a adesão do subsistema de Kiths. Joe Carriker chegou com o belo sistema de juramentos (pledges) praticamente sozinho, benção a ele. Mas conforme trabalhávamos no jogo mais e mais, havia o pensamento “nós podemos estar chegando em alguma coisa aqui”. As coisas estavam caindo no lugar certo, o termo “Perdido” (Lost) emergiu, e imediatamente o pensamento de crianças perdidas fez um completo sentido. Alec Bourbon nos derrubou de excitação com o prólogo que escreveu. Os motivos espinhentos do logo e da capa desenvolvidos por Aileen prenderam os olhos de todos que os viram. Estava realmente bonito. Nós tínhamos um plano de quatro livros com o tema sazonal, e era uma linha limitada que poderíamos ficar orgulhosos.

Tudo o que tínhamos que fazer era esperar e ver como o nosso público iria reagir.

Dizer que estávamos agradavelmente surpresos seria uma forma de entender.

swordsatdawn1Dando Fruto (Goblin)

Para ser perfeitamente honesto, nós sabíamos que algumas pessoas não iriam gostar de Changeling: The Lost. Para começar, Fadas são tradicionalmente um tipo de venda bem especializado. Muitos jogadores são simplesmente machos demais para dar meia olhada em interpretar uma pixie de orelha pontuda, a não ser é claro se esta tiver pele negra, cabelos brancos longos e algumas cimitarras. Contos de Fadas são usualmente considerados coisas de criança, uma fantasia pré-adolescente. Mas isso tudo bem, nós não iríamos encher o saco de ninguém quanto as suas preferências de gênero de jogo. Nós também sabíamos que muitas das pessoas que amavam Changeling: The Dreaming não iriam gostar de nosso novo olhar sob “fadas do Mundo das Trevas”. Vamos encarar a verdade, os dois jogos são quase diametralmente opostos em vários sentidos. Você não era mais alguém que nasceu especial ou diferente, você era um abduzido, alguém que ganhou poderes através de um forma de escravidão. Entrar na sociedade dos Changeling era uma luta contra os espinhos e não uma adoção. E o maior ponto de discussão é que não estávamos mais usando “faerie” como uma metáfora para a imginação, criatividade e maravilha. Ao invés disso, o significado vinha direto das velhas história: uma força inumana que as pessoas realmente temiam, e por uma boa razão.

Como previsto algumas pessoas realmente não gostaram da mudança.

Mas um número muito maior gostou.

Changeling: The Lost foi um sucesso fantástico para nós. Nós sabíamos desde o começo que seria uma série limitada: originalmente planejada para quatro suplementos, mas Ric Thomas (em sua sabedoria) disse para negociarmos com cinco. Ele estava certo, e desde então mais três livros foram adicionados para suprir a demanda, dois seguindo o tema sazonal e um como parte da coleção Night horrors. O jogo continuou esgotando tiragens, e as pessoas nos lembrando o quanto elas amaram o novo changeling.

changelingfamilyÉ recompensador quando acontece, mas é ainda mais recompensador quando se trata de um projeto que realmente somos apegados. Foi isso que me atingiu mais forte, fiquei exaltado. Todas as pessoas que trabalharam com changeling investiram uma porção do que eles realmente importam no projeto. Eu posso falar apenas por mim mesmo, mas boa parte do jogo está ligada emocionalmente ao meus maiores medos: ser separado de minha esposa, minha família, minha casa. Esses vínculos são o mundo para mim, e eu queria fazer um jogo sobre a tragédia de perde-los, e sobre a esperança potencial de achar o que você perdeu. É claro, eu não queria que este fosse o único gatilho emocional que este jogo poderia oferecer: você precisa de espaço para a pessoa conseguir uma segunda chance nesse processo, deixar o changeling se exaltar sobre o que ele se tornou, mesmo que hajam diversos arrependimentos no caminho. Mas a tragédia de estar perdido é algo que significa muito para mim. E ver outras pessoas afirmando: “sim, isso importa para a gente também, e amamos explorar isso com o seu jogo”, isso tem sido absolutamente maravilhoso.

Eu amo muito assistir o sucesso de Changeling. Eu me sinto simultaneamente orgulhoso por ter feito parte do processo e humilde por ter assistido quanta criatividade seus escritores e artistas, narradores e jogadores colocaram nele. Para todos aí de fora que deram uma chance para este jogo: Obrigado, muito obrigado. Eu peço desculpas para aqueles que não ligaram para ele, acho que fizemos o jogo que deveríamos fazer. E para aqueles entre vocês que deram suporte ao mesmo, o jogaram, derrubaram suas portas, duas vezes obrigado. Eu nunca amei tanto o meu emprego mais do que quando percebo todos vocês sendo brilhantes e criativos, e se divertindo tanto com algo que eu ajudei a construir.

Foi uma grande honra.

Etham Skemp
Desenvolvedor de Changeling, Mago e Lobisomem para a White Wolf.

changelingskull

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7 thoughts on “Voltando a Sebe: Um Post-Mortem de Changeling

  1. Ficou com cara de despedida mesmo 🙁

  2. é, mas no fundo é bom não?

    Tipo Changeling foi feito para ser limitado, ele não tem o escopo de temas diferentes como Mago. As vezes é melhor parar quando tudo que foi publicado ainda é excelente e fundamental…

    É a white wolf falando das muitas tiragens de changeling que se esgotam e uns perdidos achando que o hobby está em crise.

  3. Sinto que vou adorar, quando eu puser as mãos nos Perdidos…hehehe Eles jamais escaparão de minha Sebe, uahahahahahahah! 😛

  4. Nossa, bem emocionada essa despedida.

    Agora… tenho que ser chata: eu te disse :p

  5. Gosto de pensar em Changeling The Lost como uma daquelas Mini-Séries da Vertigo como Sandman, Livros de Magia e Hellblazer. Ela foi planejada como uma graphic novel, com elementos que delimitam começo, meio e fim.

    Esta estrutura, típica das narrativas, bebe da mesma fonte que as grandes obras literárias. A Jornada do Herói é tão vívida na proposta do jogo, que é difícil não abraça-la com toda a força.

    A nova versão provou ser tão boa quanto a anterior (alguns dizem melhor). O fato é que ele conseguiu a proeza de atrair a atenção não só de novos jogadores, mas também de vários veteranos do cenário antigo.

    Todas as grandes histórias chegam ao fim. Mas elas são recontadas diversas vezes.