Sempre que um best-seller é adaptado para o cinema ou para a televisão, devemos ficar de olhos abertos. E se esse best-seller é a Série Napolitana da misteriosa e talentosíssima escritora Elena Ferrante, os olhos do mundo inteiro não puderam evitar se voltar para a adaptação resultante: série em oito episódios, produzida pela RAI e exibida pela HBO. Ainda bem que nossos olhos estavam bem abertos para aproveitar uma das melhores produções de 2018.
My Brilliant Friend, nome da primeira temporada e também do primeiro livro da série – traduzido no Brasil como “A Amiga Genial” – conta a infância e adolescência das amigas Elena Greco – apelidada de Lenù – e Raffaella Cerullo – apelidada de Lila – em um bairro pobre de Nápoles durante os anos 50. Na verdade, a história começa muitos anos depois, quando Lenù, já idosa, recebe a notícia do desaparecimento de Lila, e resolve escrever sobre aquela amizade que já durava uma vida inteira.
As meninas se conheceram na escola, quando a inteligência e a rebeldia da pequena Lila chamou a atenção da quieta Lenù. Quase como um animal selvagem, a Lila de tenra idade (interpretada por Ludovica Nasti) desafia autoridades, mostra-se imprevisível e faz só o que quer. Sua liberdade cresce aos olhos de Lenù (interpretada por Elisa del Genio), que de maneira claudicante passa a viver sempre um passo atrás da amiga.
Mas são tempos difíceis em um local pobre e violento, e a maioria das crianças não tem a oportunidade de continuar estudando depois dos 11 ou 12 anos – elas não fazem o “ginásio”, como era chamado esse ciclo final do ensino fundamental. A falta de oportunidades é um dos temas principais da série, em especial quando aliada à estupidez e austeridade dos pais – tanto o pai de Lila quanto a mãe de Lenù são extremamente brutos e ignorantes, e não querem que as filhas continuem estudando. Apenas uma delas segue na escola. Essa falta de oportunidades não é exclusiva da parte carente de Nápoles nos anos 50: infelizmente, muitas crianças, tantas delas realmente geniais, têm o aprendizado interrompido prematuramente.
Isso, contudo, não significa a separação das amigas. Já adolescentes, Lenù (interpretada agora por Margherita Mazzucco) e Lila (Gaia Girace) continuam amigas. E é uma amizade real, com poucas confidências trocadas, muita rivalidade e, sobretudo, afeto. Embora nunca exageradas, as demonstrações de carinho entre as meninas são belas.
Exagero é algo que não existe em My Brilliant Friend Lenù é quieta ao extremo, falando pouco e se posicionando raramente, mas ela tem os grandes olhos para expressar suas emoções. Lila, por sua vez, é como um vulcão que pode entrar em erupção a qualquer momento – Lila não pode ser comprada, como um de seus pretendentes aprende, nem domada, nem silenciada. Cada uma é genial à sua maneira.
Vendo a série, é difícil acreditar que apenas uma das quatro meninas que dividem os papéis das protagonistas tinha experiência prévia com atuação – apenas Gaia Girace estudava teatro. A performance delas todas é contida, porém natural, e é fácil de se identificar ora com uma, ora com outra – como já foi escrito por aí, toda mulher tem um pouco de Lenù e um pouco de Lila.
O design de produção é excelente, embora não esteticamente agradável: as ruas do bairro são cinzentas, poeirentas e tristes. Da mesma maneira são as roupas de todos os personagens: em cores pouco luminosas, parte representando o que era possível para pessoas da classe social mais baixa vestir na época, parte representando a opressão de um destino triste.
Com os oito episódios dirigidos por Saverio Costanzo e com roteiro supervisionado pela própria Elena Ferrante – por e-mail! – a série My Brilliant Friend é só o primeiro capítulo nas vidas de Lenù e Lila. Os demais livros serão adaptados novamente pela RAI e exibidos pela HBO, com mais uma vez oito episódios por livro. Esperamos ansiosos pela “História do Novo Sobrenome”, o segundo capítulo desta saga tão humana – e, se ele for tão genial quanto My Brilliant Friend, estaremos diante de outra obra-prima.
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