O Rio de Janeiro viveu nas últimas semanas um momento de ebulição cultural. Além do já consagrado – e glamurizado – Festival do Rio, os cariocas puderam também apreciar os espetáculos teatrais inseridos na programação do Tempo Festival em diversas salas espalhadas pela Cidade Maravilhosa. “Depois da Queda”, de Arthur Miller, que o público pôde conferir em primeira mão – ela foi apresentada uma única vez antes do início de sua temporada na capital federal -, constituiu esse mosaico teatral.
O mote central da peça, que teve apenas uma única montagem profissional no país anterior a essa, é a relação do dramaturgo com a atriz Marilyn Monroe, duas figuras emblemáticas do século XX. O cérebro e o sexo unidos em uma relação tão comentada quanto perturbada. Quentin e Maggie são álter ego do casal.
Simone Spoladore dá vida a essa mulher que ao mesmo tempo em que exala sensualidade guarda em si muita puerilidade. Marilyn foi uma das mulheres mais sensuais da história, mas o fascínio que até hoje ela exerce supera em muito essa questão. Os homens de seu tempo a desejavam e as mulheres queriam ser ela. Spoladore conseguiu um tom apropriado de fala e gestual que transmite com naturalidade a personalidade complexa daquela que nasceu Norma Jean. Situações que ilustram a inconstância temperamental que alimentou a trágica vida dessa grande artista estão muito bem inseridas. O álcool e os barbitúricos também atuam, compactuam com as cenas mais densas.
Salta aos olhos também a segurança de Lucas Gouvêa interpretando o álter ego do dramaturgo que nos deu, entre outras obras, “A Morte do Caixeiro Viajante”. O ator permanece no tablado durante a quase totalidade da peça que dura em torno de duas horas e quarenta minutos. É necessário fôlego para tanto tempo em cena, mas em momento algum o ator demonstra estafa.
Tendo em vista que muitos dos possíveis espectadores conhecem parte desse romance, a narrativa não linear, saída adotada pelo dramaturgo e orquestrada com traços de excelência pelo diretor Felipe Vidal, é bastante acertada. Como estamos diante de uma obra com profundos traços pessoais, um trabalho feito com profissionais que há muito desenvolvem projetos juntos, como é o caso, faz toda a diferença.
A segunda parte do espetáculo conta com músicas que nos remetem à era de ouro do cinema hollywoodiano, quando a poderosa indústria cinematográfica ainda era capaz de produzir filmes relevantes em uma quantidade muito maior do acontece hoje. Canções como “I Wanna Be Loved By You”, que Marilyn imortalizou na comédia “Quanto Mais Quente Melhor”, é uma das que são executadas ao vivo pelos atores e também pelo diretor.
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Grande parte da liberdade do elenco em cena deve-se ao cenário de Aurora dos Campos, que permite um passeio leve e suave pelos cantos do palco italiano do Teatro Gláucio Gil. Os metódicos movimentos dos atores ganham uma dimensão maior dentro do pequeno, porém adequado palco desse teatro de Copacabana. A luz de Tomás Ribas também serve muito bem para desenhar a as cenas, principalmente um tímido nu.
A peça nos permite um mergulho profundo nesse tumultuado romance que entrou para a história por unir o brilhantismo intelectual de um dos autores chaves da moderna dramaturgia mundial e a diva absoluta da história do cinema. Essencial para quem é fã de Miller, por ser um belíssimo texto de sua lavra e também para quem é fã de Marilyn, por conter, se não a verdade inconteste sobre sua vida, certamente um retrato muito próximo do que ela foi.
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