Como em todas as criações do coreógrafo Rodrigo Pederneiras, os movimentos do novo balé, GIL, nasceram da música. Mas a trilha engendrada por Gilberto Gil para o novo espetáculo do Grupo Corpo, a convite do diretor artístico Paulo Pederneiras, chegou trazendo um paradoxal desafio ao coreógrafo: ali estavam, juntos e indissociáveis, o conhecido e amado Gilberto Gil… e um compositor inteiramente novo. “Era um Gil que eu não conhecia e, ao mesmo tempo, o Gil de quem sou tiete desde que ouvi sua música pela primeira vez”, diz Rodrigo. A solução do paradoxo – fenomenal síntese – sobe à cena a partir de 7 de agosto, estreia nacional do novo espetáculo no Teatro Alfa, em São Paulo, seguindo para Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
A fagulha inicial para erguer a coreografia veio, então, de fora da música – um gesto inicial, buscado no candomblé. “Gil é filho de Xangô e usei como ponto de partida o movimento associado à presença do orixá: uma das mãos do bailarino bate no peito e a outra, nas costas”, conta o coreógrafo. “E assim o balé começou a se construir”.
A “riquíssima trilha”, nas palavras de Rodrigo, se traduziu nos duos, trios e conjuntos que se alinham e desarmam, nos uníssonos e contrapontos gestuais, peças sempre renovadas do vocabulário marcante do coreógrafo. Mas GIL não tem o clássico momento do pas-de-deux, “A trilha não traz o tradicional adágio, a parte mais lenta da música, onde frequentemente está o pas-de-deux”. Curiosamente, a única criação de Rodrigo que também não tem o clássico dueto é Sete ou Oito peças para um Ballet, o programa complementar.
As muitas singularidades de GIL, a bem da verdade, já haviam começado na proposta de Paulo Pederneiras ao compositor. “Gil sempre esteve no nosso radar”, diz o diretor artístico. “Na primeira conversa, já me veio a ideia de sugerir que a coreografia se chamasse GIL. Normalmente o músico tem liberdade total – e agora não foi diferente – mas a sugestão que se debruçasse sobre a própria obra se consolidou naquele momento. E GIL se inscreve, então, entre os compositores que dão nome a coreografias do Grupo Corpo – já tínhamos feito essa homenagem a Bach, Nazareth e Lecuona”.
A música
“Recebi o convite do Grupo Corpo com alegria mas também com certa preocupação na medida em que a ideia era a de denominar a peça GIL, concentrar a criação no trabalho, que tem muitas influências baianas, do samba, da música pop em geral” conta o compositor, que enxerga no arco da trilha de 40 minutos quatro temáticas, ou ambientes musicais – a de um choro instrumental; uma abordagem camerística (com inspiração “em Brahms ou Satie”, aponta ele); um terceiro momento de liberdade improvisadora e, finalmente, uma construção abstrata baseada em figuras geométricas. “Círculo, triângulo, retângulo, pentágono, a volta ao círculo e finalmente a dissolução numa linha reta”, explica Gilberto Gil.
Assim, a trilha de GIL também foge do habitual encaminhamento para o fim: “em vez de um ápice, temos quase um fade out, um ralentando”, descreve Rodrigo. O fechamento da trilha traz ainda um poema concreto recitado por Gil, onde as cinco letras de CORPO se desdobram em CRAVO, CEDRO, FLORA, PALCO, PERNA, BRAÇO, PEDRA.
Pontuam os 40 minutos da trilha frases de canções de Gilberto Gil – retrabalhadas, mas perfeitamente reconhecíveis nas suas variações. Ali estão fragmentos de Aquele Abraço, Realce, Tempo Rei, Andar com Fé, Toda Menina Baiana, Sítio do Picapau Amarelo, Raça Humana. Nos arranjos, se alternam os tambores ancestrais e as distorções do aparato eletrônico; o afoxé e o naipe de sopros de pegada jazzística; a modinha e o berimbau. As citações bailam entre si, entrecruzando-se e dialogando enquanto o arco da trilha avança. “Com a divisão em quatro segmentos, atendemos à alternância entre movimentos mais densos, mais rítmicos, e momentos mais suaves, mais baladísticos. Ouvindo o resultado final, percebo que há muitos elementos da minha dimensão rítmica mesmo, elementos da Bahia, da música afro-baiana”, conclui o compositor.
Banda: Gilberto Gil (violão, voz) / Bem Gil (guitarra) / Danilo Andrade (teclado, piano elétrico) / Domenico Lancelotti (MPC, bateria, percussão) / Thiago Queiroz, Diogo Gomes (sopros) / Bruno di Lullo (baixo) / José Gil (percussão) / Thomas Harres (balafon)
Cenário, luz e figurinos
“Gil é uma figura luminosa, plural – e qualquer corte, qualquer tentativa de definição é redutora”, pondera o diretor artístico Paulo Pederneiras, que assina o cenário e divide a concepção da iluminação com Gabriel Pederneiras. “A imagem é a de um tapete – de 20m de altura por 12m de largura – que desce do urdimento até a boca de cena, em fundo infinito; um linóleo de um amarelo aberto, sólido”. Na iluminação, Paulo buscou um novo recurso: “mergulhamos num universo completamente novo usando moving lights, equipamento comumente usado em shows musicais. Haverá também, por assim dizer, contradança de bailarinos e as luzes, sempre brancas”.
Os vinte bailarinos estão vestidos de uma “brasilidade moderna”, na definição de Paulo. Os figurinos criados por Freusa Zechmeister – malhas inteiriças – têm base negra onde estão aplicados recortes multicoloridos extraídos da/inspirados na criação da artista plástica Joana Lira. São flores, listras, triângulos, grafismos – “tudo a ver com o Brasil, com a África. E com a alegria”, encerra o diretor artístico.
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(Estreia 1994)
Coreografia: Rodrigo Pederneiras / Música: Philip Glass e UAKTI
Cenografia: Fernando Velloso / Figurino: Freusa Zechmeister
Iluminação: Paulo Pederneiras
A partir de oito temas surgidos da parceria inédita entre o instrumentista e compositor norte-americano Philip Glass e o grupo instrumental mineiro Uakti, o coreógrafo Rodrigo Pederneiras desvencilha-se, pela primeira vez, do rigor formal que marca suas criações para construir uma obra despojada, onde a partitura de movimentos emerge como uma série de esboços, apontamentos ou estudos para uma coreografia. Inacabados, na aparência. Mas irretocáveis, pela genialidade da forma.
Como em uma pintura contemporânea, onde as correções podem ser incorporadas ao resultado final, os movimentos dos bailarinos do Grupo Corpo se sucedem em variações que vão da estética “suja” própria dos ensaios a um primoroso acabamento formal. Nesse sentido, 7 ou 8 Peças para um Ballet, que teve sua estreia em 1994, propõe mais do que vaticina. O componente obsessivo, frio e exato dos temas especialmente criados para o balé pelo ícone maior da música minimalista norte-americana leva Pederneiras a orquestrar repetições de movimentos que beiram o automatismo, executados, na maior parte das vezes, em solo, em contraposição a movimentos orgânicos de grupo, carregados da sensual latinidade intrínseca à sonoridade única produzida pelo Uakti.
O cenário de Fernando Velloso e os figurinos de Freusa Zechmeister buscam nos primórdios da corrente minimalista da pintura americana a inspiração para as listras em verde, azul e tons de amarelo que dão identidade visual ao espetáculo, enquanto o branco reina absoluto na iluminação de Paulo Pederneiras. (texto: Angela de Almeida)
Sete ou Oito Peças para um Ballet (1994)
Coreografia Rodrigo Pederneiras . Música Philip Glass e Uakti
Cenografia Fernando Velloso Figurinos Freusa Zechmeister .
Iluminação Paulo Pederneiras
Duração: 40 minutos
Intervalo
GIL [estreia] – 40 minutos
Coreografias Rodrigo Pederneiras . Música Gilberto Gil .
Cenografia Paulo Pederneiras . Figurinos Freusa Zechmeister
Iluminação Paulo Pederneiras e Gabriel Pederneiras
Duração: 40 minutos
Classificação etária: LIVRE
Serviço – Rio de Janeiro
10 a 15 de setembro – Terça a domingo
Theatro Municipal do Rio de Janeiro
(Praça Floriano, s/no ((21) 2332-9191 | 2332-9005)
Terça a sábado, às 20h. Domingo, às 17h
Frisas e Camarotes R$ 900 (6 lugares)
Plateia e Balcão Nobre R$ 150. Balcão Superior R$ 110. Galeria R$ 60
Vendas na bilheteria do TMRJ, das 10 às 18h, e, em dias de espetáculo, até o início do mesmo.
Venda online www.ingressorapido.com.br
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