Realidade virtual no Sesc Pompeia com mostra de espetáculos

A mostra traz à cena, além dos espetáculos, quatro bate-papos. Batizados de “ovulários”, os encontros abordam temas como tecnologia, artes cênicas, realidade virtual, experiências artísticas, processos criativos, ancestralidade e ritualidade

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SENTEACENA – PRIMEIRA GIRA DE BIOTECNOLOGIAS DA CENA, que acontece no Galpão do Sesc Pompeia de 12 a 23 de julho e pretende entrecruzar os limites entre os conceitos de realidade, representação e virtualidade, o público é convidado, a partir de ações cênicas presenciais e assistidas por meio de óculos de realidade virtual, a ser um coautor das obras apresentadas. No palco, os espetáculos híbridos Entre, Traved e Pagu 360º mesclam Realidade Virtual e performances ao vivo abordando o conceito de presença por diversas perspectivas.

Para Robson Catalunha, curador, as experiências performáticas mediadas pela tecnologia, criadas em decorrência do isolamento físico durante a pandemia, geraram muita discussão em razão de determinadas manifestações artísticas serem consideradas, por algumas pessoas, como territórios que necessitam do encontro entre artistas e público num mesmo ambiente físico. Mas dizer que determinadas artes necessitam, única e exclusivamente, do encontro e da presença entre corpos, em tempo real e num mesmo espaço físico, exclui o ambiente virtual como parte do real, sendo que um só existe em função do outro.

“Esta discussão não é uma exclusividade do nosso tempo, visto que o surgimento do cinema provocou polêmicas similares em relação ao teatro (que continua e continuará existindo). A questão é que os aparatos tecnológicos, há muito tempo, fazem parte das artes da cena. Dessa forma, o cerne da polêmica é a presença, não a tecnologia. Acontece que a presença não tem uma definição única, inquestionável e varia em diferentes áreas. Diante disso: quais ações e comportamentos tornam algumas presenças e realidades mais, ou menos, reais ou visíveis? Apenas quando estamos fisicamente presentes em um espaço físico nos relacionamos com o que está ao nosso redor? Todas as pessoas que se encontram em um mesmo espaço físico sempre estão em relação?”, questiona ele.

De acordo com pesquisadores da Realidade Virtual a presença é um estado psicológico ou uma percepção subjetiva em que uma parte ou toda a percepção do indivíduo abstrai a mediação da tecnologia na experiência. Para Dodi Leal, que idealizou a expressão Biotecnologias da Cena, é preciso compreender as produções entre presença e tecnologia a partir de um ecossistema estético. Ela indaga: “Qual o corpo da realidade virtual? Ao nos interrogarmos sobre a presença constatamos que este é um tópico para muito além do fazer teatral. Diante do fluxo de produção de cruzos de midialidades em cena, nos perguntamos quem é e de quem é a tecnologia? E é preciso notar que não há tecnologia mais avançada que as sabenças e existências marginais. Os aparelhos em cena são corpos. Nós, transvestigêneris, pessoas negras, pessoas indígenas, corpos gordos, periféricos, PCDs, as infâncias, juventudes e velhices, nós somos a tecnologia.”

Novas tecnologias em cena

A programação da GIRA DE BIOTECNOLOGIAS DA CENA começa com as apresentações de Entre – de 12 a 14 de julho, quarta a sexta-feira, às 18h e 20h –, na qual Robson Catalunha dirige Daia Moura, Douglas Emílio e Hércules Soares em uma instalação-performance em realidade virtual. Resultado de uma investigação sobre comportamentos de corpos diante das novas tecnologias, sobretudo nas relações que proporcionam outras configurações cênicas, o projeto conecta três criações que se entrelaçam, unidas pelos fios puxados das pesquisas-memórias de Daia Moura, questionando presença e imagem do corpo negro, através dos estados de raiva, fuga, cura e propondo um espaço de aquilombamento; Douglas Emilio, que traz os processos evolutivos e os estudos do choro enquanto estado de crise e Hercules Soares, que escutando as ideias do próprio corpo, entoa um ato psicomágico a partir do enredo da própria infância.

Entre é uma experiência que se estabelece enquanto elo de múltiplas realidades, através da simulação da realidade (por meio do uso de óculos de realidade virtual) e, também, de ações realizadas ao vivo e em tempo real. Assim, os ambientes reais/virtuais são os quintais onde os corpos se entrelaçam, se amalgamam e vivenciam suas diferenças com possibilidades de construir-se em seus discursos de maneiras plurais.

Com direção e roteiro de Robson Catalunha e atuação e dramaturgia de Dodi Leal, a palestra performance em realidade virtual Traved – dias 15, 16 e 23 de julho, sábado às 18h e 20h e domingo às 16h30 e 18h –, mescla elementos do teatro, cinema, performance, instalação e realidade virtual, parodiando o formato das palestras “TED” e trazendo à tona uma dramaturgia que investiga as múltiplas vivências e pontos de vista de um corpo travesti no Brasil atual.

Traved é uma criação cênica a partir de Biotecnologias da Cena: generética do corpoluz e filosofia estética das encruzitravas, de Dodi Leal, em diálogo com a pesquisa em tecnologias digitais para a cena, de Catalunha, iniciada com O Híbrido, – primeira criação do artista em realidade virtual e que lhe rendeu indicação ao Prêmio APCA (2021), na categoria Avanço Digital, pelo caráter tecnológico e inovador.

Misturando elementos biográficos da artista e histórias ficcionais que abordam temas como ecologia, corpo-tecnologia, urbanidade, ciência e a própria criação artística, a dramaturgia desperta múltiplos sentidos e proporcionará ao público a possibilidade de experienciar a obra por diversas perspectivas.

Tradução contemporânea de Pagu

Pagu 360º, espetáculo híbrido em realidade virtual sobre a escritora poetisa, tradutora, desenhista, cartunista, jornalista e militante política Patricia Galvão, popularmente conhecida como Pagu, tem sessões de 18 a 22 de julho, terça-feira a sábado, às 18h e 20h. Concebido pela atriz Laís Marques junto de Robson Catalunha, que assina a direção de conteúdo em realidade virtual, Luah Guimarãez (provocação cênica), Pedro Semeguini (trilha sonora) e Victor Garrette (assistência de criação), o espetáculo traduz poeticamente os principais aspectos da vida e obra de Pagu.

Segundo Laís Marques, ainda que historicamente silenciada, a irreverência de Pagu produziu, em linguagem literária, uma espécie de cinematismo descontínuo. “A peça parte de tal conceito para promover um cruzamento entre o ambiente real com a experiência imersiva. Os dispositivos de simulação interferem nas sensações do espectador possibilitando, inclusive, a interação com o que se vê ao redor a partir do seu próprio movimento corporal.

Cada uma das quatro locações que compõem a experiência imersiva traduzem a singularidade de Pagu: o mar, a cela, uma praça pública abandonada e a visão panorâmica de uma montanha localizada a 1.450 metros acima do nível do mar. Na performance solo ao vivo, uma série de ações performáticas são realizadas pela atriz diretamente ao público enquanto uma trilha sonora original é executada.

Os Ovulários

A série de quatro encontros visa ampliar os debates sobre tecnologia e artes cênicas propostos pelos espetáculos da GIRA DE BIOTECNOLOGIAS DA CENA.

No dia 15 de julho, sábado, às 15h, acontece o bate-papo Aquilombamento como Movimento de Potencialidade e Cura. A proposta da conversa é criar uma rede entre as pesquisas artísticas e acadêmicas de Mãe Beth de Oxum e Daia Moura (performer do espetáculo Entre). Partindo do processo em realidade virtual, a conversa passará pelas temáticas do corpo negro; artes cênicas, ancestralidade e ritualidade; tendo como pressuposto a lógica da visão em 360º, o aquilombamento como movimento de potencialidade e cura no teatro negro contemporâneo.

No dia 16 de julho, domingo, às 14h, acontece o encontro Práticas Artísticas e Pedagógicas em Realidade Expandida com a participação de Lyara Oliveira, professora, pesquisadora, artista audiovisual, produtora e diretora de TV, cinema e conteúdos imersivos; André Fischer, criador e diretor do Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade e coordenador do Centro Cultural da Diversidade da Secretaria Municipal de Cultura; Maria Fernanda Vomero e Robson Catalunha, com mediação de Lais Marques A partir da análise de experiências artísticas e pedagógicas no território da Realidade Virtual, pretende-se apresentar um panorama sobre a forma como estas práticas estão modificando a maneira de nos relacionarmos.

Galhos e Glíter: uma reflexão iconográfica é o ovulário que acontece no dia 22 de julho, sábado, às 15h com a proposta de uma troca de experiências artísticas e processos criativos. De um lado, Uýra Sodoma, uma entidade artística personificada por Emerson Pontes, indígena da Amazônia Central, compõe a imagem com depoimentos da natureza de coisas vivas e forçadas, nascidas da violência, em formato de sons, imagens e narrativas; do outro lado, o performer Hércules Soares transita em sua experiência artística em realidade virtual, advinda do projeto Entre, com atos psicomágicos, uma inspiração livre e poética do conceito de Alejandro Jodorowski, em que o perfomer tenta dar conta de curar com glitter, doces, bonecas e lantejoulas algumas memórias de infância. Auá Mendes e Douglas Emílio completam o time de debatedores.

O último encontro acontece dia 23 de julho, domingo, às 14h, com participações de Isadora Ravena, travesti, professora, artista, crítica e curadora de arte; Raphaellie Laz, artista visual, graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Ouro Preto e mestranda na Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais PPGER/UFSB e Dodi Leal. Com o tema Travecametodologias Digitais e Tecnologias do Perigo, o ovulário é o diálogo de duas pesquisas travestis em artes cênicas e tecnologias. De um lado, averigua o contexto digital das investigações sobre travecametodologias: metodologias travestis de criação em arte. Direcionando-as para os processos de criação e recepção estética em cena contemporânea e suas relações com as tecnologias teatrais. A outra investigação trata do conceito de tecnologias do perigo e das relações entre Brasil e África por uma perspectiva artística, cultural e tecnológica. Nesta abordagem são elencados alguns estudos em gênero com foco no debate acerca da presença de pessoas trans e travestis negras nos grandes circuitos artísticos.

Serviço

SENTEACENA – PRIMEIRA GIRA DE BIOTECNOLOGIAS DA CENA

Idealização e Curadoria – Robson Catalunha e Dodi Leal.
De 12 a 23 de julho no Sesc Pompeia.
Rua Clelia, 93 – Pompeia, São Paulo. Telefone – (11) 3871-7700.

Entre

De 12 a 14 de julho, quarta a sexta-feira, às 18h e 20h.
60 minutos | 16 anos | Ingressos de R$ 10,00 a R$ 30,00.
Performers – Daia Moura, Douglas Emílio e Hércules Soares. Direção – Robson Catalunha. Diretora Executiva – Andressa Moreira. Diretor de Arte – Felipe Cruz. Iluminador – Maurício Mattos Caetano. Participações – Tania Soares, Helen Soares e Nilson Madureira de Almeida. Trilha Sonora Original – Henrique Ravelli. Fotógrafos – Tiago Macambira, Thiago Roma e Adriano Sobral. Captação de Vídeo – André Stefano. Editor de Vídeo – Rodrigo Rímoli. Assessoria de Imprensa – Nossa Senhora da Pauta. Design Gráfico – Laerte Késsimos. Produção – Aua Produções.

Traved

Dias 15, 16 e 23 de julho, sábado às 18h e 20h e domingo às 16h30 e 18h.
60 minutos | 16 anos | Ingressos de R$ 10,00 a R$ 30,00.
Direção e Roteiro – Robson Catalunha. Atuação, Dramaturgia, Iluminação e Figurino – Dodi Leal. Captação de Vídeo – André Stefano. Editor de Vídeo – Rodrigo Rímoli. Fotógrafo – Gau Saraiva. Participação especial – Maria Tavares. Assessoria de Imprensa – Nossa Senhora da Pauta. Produção – Corpo Rastreado.

Pagu 360º

De 18 a 22 de julho, terça-feira a sábado, às 18h e 20h.
60 minutos | 16 anos | Ingressos de R$ 10,00 a R$ 30,00.
Concepção, Direção, Dramaturgia e Atuação – Laís Marques. Assistência de Criação – Victor Gaette. Direção de Conteúdo em Realidade Virtual – Robson Catalunha. Trilha Sonora – Pedro Semeghini. Iluminação – Aline Santini. Provocação Cênica – Luah Guimarãez. Provocação Dramatúrgica – Marina Corazza. Captação de Vídeo – André Stefano. Voz off (DRUMMOND) – Antonio Januzelli (Janô). Assessoria de Imprensa – Nossa Senhora da Pauta. Produção – Jack dos Santos e Leticia Alves. Direção de Produção – Gabi Gonçalves e Corpo Rastreado. Idealização – Laís Marques e Cacildinha Produções.

Ovulários

Dias 15, 16, 22 e 23 de julho, sábado às 15 e domingo às 14h.
90 minutos | 16 anos | Gratuito.

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