Para a maioria dos espectadores, a lei 12.485/11 ainda não tem nenhum significado, mas no universo da TV por assinatura ela está dando o que falar. Esta nova legislação será responsável por definir cotas de produção nacional em todos os canais da televisão a cabo programados por programadora brasileira. Embora ainda não tenha sido regulamentada, ela já está gerando fortes ruídos tanto de seus partidários como de seus opositores.
Caso seu formato atual seja mantido, a lei obrigará que os canais exibam um mínimo de três horas e meia semanais de conteúdo nacional durante o horário nobre, sendo metade desta cota produzida por produtora brasileira independente. O objetivo é fomentar a produção nacional e independente, buscando maior desenvolvimento econômico e visibilidade para o mercado audiovisual brasileiro. De fato, os programas brasileiros tendem a ser preteridos pelos espectadores da TV por assinatura, que costuma dar preferência a seriados e filmes estrangeiros. Tal postura é consequência de uma cultura que sempre teve uma inclinação a confiar mais na qualidade do que vem de fora do que naquilo que é fabricado no país. Sob este ângulo, a iniciativa do governo poderia de fato contribuir para a reversão deste quadro para que o critério de escolha do assinante seja aquele da qualidade do conteúdo exibido em lugar da língua em que é gravado.
No entanto, é impossível não enxergar a lei como uma forte intervenção estatal na programação nacional, especialmente em um período de crescimento expressivo de assinantes da TV paga com o aumento do poder aquisitivo da classe C. Seria exagero comparar o ato com os tempos de censura da Ditadura, mas é inegável a existência de um caráter repressor no projeto. Há alternativas para estimular a produção nacional, assim como sua difusão. Patrocinar projetos audiovisuais brasileiros, fornecer incentivos fiscais, promover festivais que enalteçam a cultura brasileira podem fazer com que o público por si só se interesse pelo produto nacional. Assim, os canais irão procurar exibi-lo para atender à demanda de seus espectadores. Além disso, é importante lembrar que já existem canais voltados para a programação nacional, a exemplo do Canal Brasil.
A lei do livre mercado já deixou claro que há muito suas falhas, porém medidas de regulação indiretas podem conduzir as mudanças desejadas de forma mais natural e menos invasiva. Para muitos canais não é apenas uma questão de preferência entre o produto nacional e o estrangeiro, e sim, de posicionamento e perfil. Ao analisar o conteúdo de canais de séries e filmes estrangeiros é difícil imaginar um produto nacional que se encaixe dentro de sua programação. Da mesma forma que é difícil conceber um programa estrangeiro de qualidade que se assemelhe, por exemplo, às novelas brasileiras que, justamente por seu caráter único, estão sendo exportadas para um número crescente de países.
A favor ou contra, esta é uma polêmica que será resolvida na prática. A audiência dos novos programas nacionais será a resposta para se o público de fato já desejava maior conteúdo nacional na TV por assinatura ou se ainda a vê justamente como a alternativa à televisão aberta. O jeito é mesmo esperar para ver, ou melhor, assistir.
Quero acrescentar mais um argumento: a TV aberta brasileira possui um alto nível produtividade, sendo muitos desses programas de ótima qualidade. E as TV por assinatura, apesar de criarem concorrência, não esvaziaram a TV aberta. Isso expõe que não sofremos um abandono do produto nacional. Aliais, ano passado, a maior audiência das TVs por assinatura foi da novela brasileira Vale Tudo. Se a intenção era evitar a destruição da cultura nacional, acho que a lei é inócua.
A lei parece encontrar apoio no desejo do legislador de controlar a difusão de cultura/informação/entretenimento e no lobby das produtoras independente. Não as condeno. Sei que é difícil ser produtora independente. Mas, não será com cotas que iremos solucionar isso. E se fosse para criar cotas, que fosse nos canais abertos, e sem determinação da faixa de horário.
E a maior prova da inutilidade da lei é que boas produtoras independentes conseguem espaço, como o programa Pexionauta, na TV fechada, e a série “Amor em 4 Atos”, exibida na TV Globo.
Espero que a lei seja declarada inconstitucional pelo STF.
Parabéns pelo texto.