O filme de Steve McQueen é um soco no estômago. Quando me perguntam o que achei do filme, digo: lembra de “A Paixão de Cristo“? Pois é. Apesar de não ser uma tortura visual constante em torno do protagonista, em todos os momentos, alguém está sendo maltratado, injustamente acusado ou totalmente privado de seus direitos como ser humano.
O trabalho de Chiwetel Ejiofor é excelente. Ele interpreta Solomon Northup, um homem negro livre que ganha a vida sendo exímio violinista e tem uma bela família, no leste dos Estados Unidos. Um dia, cai na armadilha de dois pilantras que recrutam homens negros, seja roubando seus documentos de liberdade, seja retirando-os de seus donos prévios e jogando-os em uma viagem até o sul americano, onde serão vendidos e transformados em propriedade de fazendeiros e donos de terra.
Logo no início do filme, quando Solomon se vê preso, percebe rapidamente que seu orgulho e a verdade sobre sua condição não o levarão a lugar nenhum, tendo até mesmo que esconder dos outros sua alta cultura, o fato de saber ler, etc. Todos os momentos em que demonstra sua inteligência, acaba sendo tomado por alguém como insolente e acaba tendo que se curvar a maus tratos. Mesmo quando é respeitado por seu “dono”, não há outra maneira de aceitar os fatos além da dura verdade: continua sendo um escravo.
Eventualmente, na história, Solomon é obrigado a trocar de “Senhor”. Das mãos de um homem mais sensato e sóbrio William Ford (Benedict Cumberbatch), passa a fazer parte das posses do descontrolado Edwin Epps (Michael Fassbender), que explora sua mão de obra até a exaustão e mantém uma relação de amor platônico e ódio por uma de suas escravas mais eficazes na colheita de açúcar. Fassbender faz um trabalho estupendo ao criar um monstro, cuja loucura consegue trazer não simpatia, mas o mínimo de empatia do público.
Essa representação dos senhores de terra, apesar de restrita para 2 ou 3 exemplos, tentou demonstrar a abrangência de personalidade que podiam ser encontradas na época. Aqueles mais mulherengos, que promovem suas escravas para suas senhoras, aqueles mais humanos que, apesar de terem posse sobre os homens, conseguem vê-los como pessoas e não apenas objetos, e aqueles que tiram proveito de suas funções motoras apenas para o trabalho e seu divertimento. É claro que nesses momentos, fica difícil não cair numa representação clichê que divide bons e maus em categorias rasas. Filmes como este estão pisando em terreno bastante frágil e temem complexificar situações e personagens, arriscando trazer dubiedade para seu discurso. Como exemplo, é só pensar nas pesadas críticas que o filme de Tarantino, “Django Livre“, sofreu.
A história de Solomon é verdadeira. Se baseia no livro que ele escreveu em 1853, depois de conseguir recuperar sua liberdade, 12 anos depois de viver longe de sua família, na condição de escravo. Essa transcrição dos eventos para a tela de cinema tem, assim, o compromisso de resgatar as palavras de um homem que vivenciou tudo aquilo, além do aval do testemunho histórico como prova de uma época em que o preconceito era baseado em leis religiosas e jurídicas.
Um filme duro, que se propõe a mostrar a violência vivida por homens e mulheres, mas está longe de criar uma estética da crueldade. Seu propósito é trazer reflexão para aqueles que estão assistindo sobre a capacidade de destruição que o homem tem e sempre teve ao longo da História. Talvez por ter um conteúdo tão contundente que fala por si mesmo, os esforços que tornariam este um filme cinematograficamente memorável ficam um pouco esquecidos, com algumas exceções de escolhas formidáveis para trazer à vida determinadas cenas, tais como a escrava chorona, o quase enforcamento ou o alívio sexual durante a noite.
Estréia nesta Sexta-feira nos cinemas.
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