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Entrevista com Cyriaco Lopes e Terry Witek, artistas da exposição Minotauros

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Cyriaco Lopes é artista visual radicado em Nova York. Participou de mostras em espaços importantes no Brasil como MASP e o MAM do Rio de Janeiro e Salvador. Nos Estados Unidos, Museu de Arte contemporânea de Baltimore e Saint Louis, entre outros. Leciona no Mestrado em Poesia do campo Ampliando da Stetson university. Terry Witek é poeta norte americana que já morou no Brasil. A dupla é responsável pelas obras que estão em exposição na mostra Minotauros, que acontece no Oi Futuro Flamengo até 18 de junho. A Revista Ambrosia conversou com os artistas sobre o conceito de seu trabalho. Confira abaixo:

Ambrosia: Como é feito este processo destas estampas trabalhando o elemento água? E há uma visualidade riquíssima nos diferentes locais onde vocês tiraram as fotos de mar como Istambul, Creta, Londres. Como em cada destes lugares foi captar uma estética diferente de cor, textura. E como você fizeram da performance do olhar cada imagem de mar/lugar para a fotografia servir como suporte destas inúmeras formas de olhares? E expor no Local como se o público estivesse entrando num labirinto?

Cyriaco: Esse trabalho, Currents/Correntes, é uma extensão da nossa amizade e colaboração. Nós viajamos pelo mundo para lecionar juntos, para fazer performances, exposições, residências, e pesquisa. Em cada um desses lugares fotografei águas importantes dos lugares – seus mares, rios, lagos. Iguais em matéria, mas únicos em cada contexto físico e cultural. “Eternos” e fugidios. Mandamos imprimir as fotos em Hong Kong, em algo como poliéster, que é bastante resistente. É importante para nós que as fotos não sejam muito preciosas, já que a participação do público é muito importante. Precisam ser tocadas, reconfiguradas. Criam um espaço arquitetônico que se modifica com a passagem de cada participante.

Terry:  Eu fui o carregador de água e Cyriaco trouxe a câmara quando a gente faz performance com águas. Eventualmente o gesto de trouxe faz quase ritualista para mim. As águas dobras num saco tocam e ficam peso pesado do mundo. A coisa casual e mais metáfora também.

Ambrosia: Vocês tiraram fotos de locais da Europa de pontos extremos, de lugares que de certa forma mostram uma questão geográfica, zonas limítrofes de um lugar, região e até cultura. Qual seria o eixo conceitual destas fotos? E Como são estes processos de coleta de dados estéticos num extenso movimento de viagens?

Ciryaco: Há poucos trabalhos na exposição que não são colaborações nossas. Por exemplo, os Poemas Dobrados da Terri, esse vídeo lindíssimo, é um deles, para o qual ela colaborou com dois artistas digitais. E também esse trabalho que você citou. É parte de uma série minha bastante grande que chamo “Edges, Encounters” (Bordas, Encontros), sobre trocas culturais.

Meu trabalho individual tem um viés político em duas vertentes principais: 1) Trocas culturais assimétricas, particularmente entre o Norte e o Sul globais, e 2) Assuntos Queer. O Edges, Encontros fala dessas trocas históricas, dessas delimitações geográficas que foram cavadas a sangue e que nos assombram o presente. A própria menção desses limites já aponta a sua artificialidade. Hoje vê-se uma distância quase intransponível entre a África e a Europa, por exemplo. Como se fossem regiões alienígenas uma a outra. Na antiguidade, no entanto, a região mediterrânea era bastante unificada culturalmente. Vista como tal e muito mais porosa.

E mesmo mais tarde, na idade média, quando um intelectual africano como Santo Agostinho, podia se tornar uma voz global do poder. Por isso fotografei o ponto mais ao sul da Europa com uma bússola na mão: queria a imagem da direção da África. Assim como fotografei a direção da Europa do ponto mais noroeste da África. Porque entendo esses lugares como sendo contínuos, historicamente e culturalmente. Aponto as bordas para implicar suas ficções. É um projeto de anos que tem centenas de imagens.

Ambrosia: Tem um trabalho da Terri de poemas visuais em que um poema é aglutinado pelo outro num antropofagia interessante de aglutinação. Como foi pensado?

Terry: Os poemas dobrados são respostas às escavações que a gente viu em nossas viagens pelas antiguidades. Como é que as palavras em papel trata profundidade? E possível subir centímetro pelo centímetro? Somos arqueologistas, neste caso descobrindo-te outras palavras; outros poemas encontrar quando os poemas mudam-se. O final de cada um é uma frase de vitrines dos museus das antiguidades traduzindo como erros dos sonos. Como foi o que antes fica sempre. As animações brilhantismos de 3D artist Dengke Chen fazem o processo vivamente. E as descobertas também buscam o som da exposição inteira -frágil, fragmentos feito da musicista Amandine Pras. A flauta – e chinês e ancien a soundboard e hoje mesmo . Então  as bordas se tocam num outro dobrado.

Ambrosia: Vocês fizeram uma arte linda de imagem e texto, através de imagens com diferentes recortes como cortes verticais, inclinados, diagonais. E falaram que o trabalho seu e da Terri eram feitos simultaneamente mas vocês dois fazendo em espaços distintos sem saber o que o outro realizava. Como se deu esta imbricação ao acaso de texto – imagem?

Cyriaco: Trabalhamos sempre no espaço que fica entre o acaso e a escolha. Para esse trabalho por exemplo, Os Minotauros, criávamos as partes sem saber um do outro. Estávamos nessa residência artística numa casa de pedra nas montanhas de Creta onde,  um século antes, tinha sido o lugar onde processavam azeite. Por isso era circundada por um vale de oliveiras bastante extenso, cuja vista abarcava muitos e muitos quilômetros. A Terri passava os dias na residência escrevendo, eu passava os dias fora, frequentemente nas cidades próximas, fotografando. À noite juntávamos as duas produções. O processo era por um lado bem matemático. Fizemos cortes horizontais, verticais, diagonais e inclinados.  O mesmo número de fotopoemas para cada tipo de corte. Mas a junção de cada imagem e texto era mais intuitiva. Às vezes apenas pelo acaso da ordem de produção. Às vezes por escolha. Em alguns poucos casos fizemos versões diferentes, pra conseguir combinações mais interessantes.

Um ano depois nos reunimos de novo, desta vez em Palermo, na Sicília. E fizemos uma segunda leva de Minotauros, mas apenas usando as imagens captadas em Creta, e os textos escritos também na Grécia no ano anterior. Essa leva já trouxe o contexto do tempo passado. E também da Sicília. Aliás, quando passamos o dia no museu arqueológico de Agrigento, descobrimos que a Sicília foi o lugar para onde Dédalos, o criador do labirinto, voou para a sua liberdade. Sempre lemos da morte do seu filho Ícaro e esquecemos que o pai completou a viagem e que ainda viveu muitos anos na corte da Sicília. Então descobrimos que havíamos escolhido terminar a série dos Minotauros, que havíamos começado na ilha de Creta, justamente na ilha para onde Dédalos fugira. As pontas dos carreteis se unem e vemos que o espaço onde trabalhamos, nosso próprio labirinto prazeroso, é exatamente esse espaço entre o acaso e a escolha de que falei.

Ambrosia: Tem trabalhos feitos aos pares com fotos e textos, criando uma relação de espaço com a alteridade e no próprio lugar da exposição estas fotos não ficam juntas na parede. Com é trabalhar com está outra zona de procura da parte que falta do encaixe que não está do lado?

Cyriaco: Na montagem da exposição, a qual fizemos em colaboração com o curador da exposição, o brilhante Alberto Saraiva, preferimos  manter o caráter fragmentário dos Minotauros. Acho que funcionam perfeitamente em sua incompletude. Um dos nossos modelos são os fragmentos de escritos da antiguidade. De Safo por exemplo, uma das maiores poetas da antiguidade, só herdamos um poema completo. E isso não impede a nossa apreciação da sua obra. Na verdade acho que talvez nos enamoremos desses silêncios súbitos, das implicações, das promessas não realizadas. Adoro a versão para o inglês da sua obra completa pela também poeta Anne Carson, intitulada If Not, Winter (Se não, Inverno), título que é em si um fragmento, mas também uma unidade poética auto suficiente. Considero o mesmo das nossas metades/todos que são cada Minotauro. Além disso, quando a visitante da exposição reconhece o par, é obrigada a completar a imagem e texto, com memória e imaginação. É uma leitura poética ativa. Montamos lado a lado apenas 3 pares: o do centro da parede e os das duas quinas. O do centro é como a pedra jogada no lago, que reverbera em círculos concêntricos. Cada metade dos outros Minotauros está equidistante desse centro, em lados opostos da parede, cada vez mais longe dos seus pares quanto mais longe do centro. As imagens e os textos podem ser completados mentalmente pelo público, mas não precisam. São em si. Em sua incompletude, plenas – como as pessoas, acho.

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