Após sofrer queimaduras devido a um incêndio em seu apartamento no Paraíso, Zona Sul de São Paulo, o dramaturgo Zé Celso Martínez morreu na manhã desta quinta-feira em São Paulo. O estado de saúde do dramaturgo havia tido um agravamento na quarta-feira, quando desenvolveu quadro de insuficiência renal. Desde então, o quadro se agravou, sem que ele conseguisse responder ao tratamento. O diretor teve falência dos órgãos na manhã desta quinta. Ele havia sido internado na UTI do Hospital das Clínicas desde a manhã desta terça,
Zé Celso, de 86 anos, estava dormindo em seu quarto quando, por volta das 7h30, sua casa começou a pegar fogo. De acordo com vizinhos, a suspeita é que o fogo tenha começado após um curto-circuito do aquecedor. O 36º DP (Vila Mariana) da Polícia Civil investiga as causas do incêndio. Ele foi encaminhado para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), onde foi entubado após ter queimaduras em 60% do corpo.
Quem foi Zé Celso?
Nascido em 1937, em Araraquara, Zé Celso é considerado um dos principais dramaturgos do país, e tem seu nome associado desde o final dos anos 1950 com o Teatro Oficina, uma das mais importantes companhias brasileiras, há 65 anos em atividade. O grupo tem origem no Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde o futuro dramaturgo e diretor estudava, e, com outros estudantes, fundou o Grupo de Teatro Amador Oficina. Dirigidos por Amir Haddad, seus primeiros textos são autobiográficos: “Vento forte para papagaio subir” (1958) e “A incubadeira” (1959).
Em 1961, já em processo de profissionalização, o grupo aluga a sede do Teatro Novos Comediantes, tendo como fundadores, além de Zé Celso, Renato Borghi (1937), Ítala Nandi (1942) e Etty Fraser (1931-2018). Neste período, a companhia obtém repercussão montando textos como “Pequenos burgueses” (1963), do russo Máximo Gorki (1868-1936), com influências do método Stanislavski. Com o golpe militar no ano seguinte, a peça é censurada e obrigada fazer cortes.
Ainda em 1964, o diretor monta “Andorra”, do suíço Max Frisch (1911-1991), usando a crítica ao antissemitismo do texto original para abordar o regime militar brasileiro, e marcando a transição do grupo ao teatro épico de Bertolt Brecht (1898-1956). Entre 1964 e 1966, Zé Celso viaja para a Europa, e, na volta ao Brasil, monta no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) “Os inimigos”, outro texto de Gorki. No mesmo ano, o prédio do Oficina é incendiado por grupos paramilitares, e a companhia remonta antigos sucessos para levantar fundos.
Em 1967, Zé Celso escreve seu nome definitivamente na história do teatro brasileiro com a adaptação do clássico modernista de Oswald de Andrade (1890-1954), “O Rei da Vela”. Mesclando linguagens como o melodrama e o teatro de revista à cultura pop, o espetáculo é considerado o marco inicial do tropicalismo nos palcos. No ano seguinte, outro espetáculo fundamental para a dramaturgia brasileira, “Roda viva”, primeiro texto teatral de Chico Buarque, torna-se um símbolo da luta contra a censura e pela liberdade de expressão. O elenco e a equipe do espetáculo sofrem dois atentados: em julho, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invade o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, depredando o espaço e agredindo os artistas; em outubro, após o fim da sessão de estreia no Teatro Leopoldina, em Porto Alegre, a atriz Elizabeth Gasper (que substituiu Marília Pêra) e o músico Zelão foram sequestrados e levados a um local ermo, onde foram ameaçados de morte. A montagem foi interrompida e, em seguida, censurada pelo regime militar.
Já marcado pela repressão pós-AI-5, Zé Celso e o Oficina buscam inovações cênicas para driblar a censura, até que, em 1974, o diretor e dramaturgo é preso e torturado, sendo libertado após 20 dias. Após um período de exílio em Portugal – onde dirigiu o documentário “O parto” (1975), sobre a Revolução dos Cravos, no ano anterior – Zé Celso volta em 1978, e retoma as atividades do grupo, que, em 1984, passa a se chamar Associação Teatro Oficina Uzyna Uzona. No mesmo ano, tem início da reforma de sua sede, no bairro da Bela Vista, com projeto de Lina Bo Bardi (1914 -1992) e Edson Elito, concluído em 1994, inaugurado com o nome de Terreiro Eletrônico.
Em 1987, sua vida é marcada por trágica perda de seu irmão caçula, Luís Antônio Martinez Corrêa. Colaborador do Oficina e diretor de espetáculos como o musical “A ópera do malandro” (1978), de Chico Buarque, com Marieta Severo, Elba Ramalho e Ary Fontoura no elenco, Luís Antônio foi assassinado com 107 facadas em seu apartamento, em Ipanema. Dias depois, o surfista Gláucio Garcia de Arruda foi preso após ser identificado pelo porteiro como a última pessoa a sair do apartamento do diretor. Após absolvição em primeira instância, foi condenado em segunda instância, em 1989, a 20 anos de prisão por roubo seguido de morte. Pela brutalidade com que Luís Antônio foi assassinado (foi encontrado nu em sua cama, com mãos e pés amarrados), a classe teatral viu no crime um ato de homofobia. A cada 23 de dezembro, data da morte do diretor, a companhia realiza uma homenagem, o Rito de Ethernidade de Luis.
Da década de 1990 em diante, Zé Celso volta a alcançar grande repercussão com o Oficina em montagens como “As bacantes” (1996), “Cacilda!” (1998) e a adaptação na íntegra de “Os sertões” (2002-2006), de Euclides da Cunha (1866-1906).
Além da extensa carreira no teatro, Zé Celso também atuou na frente das câmeras, em filmes como “Árido movie” (2006), de Lírio Ferreira; “Encarnação do demônio” (2008), de José Mojica Marins (1936-2020); e “Fédro” (2021), de Marcelo Sebá. Na TV, participou da novela “Cordel encantado” (2013), exibida pela TV Globo.
Com informações via G1
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