"Bingo: O Rei das Manhãs", a tragédia do palhaço – Ambrosia

“Bingo: O Rei das Manhãs”, a tragédia do palhaço

Quem diria que por trás daquele palhaço que animava as manhãs da criançada nos anos 80 estava um homem devotadamente entregue aos vícios em drogas e prazeres carnais. Algo que até nos lembra o palhaço Krusty dos Simpsons. Mas se tratava de uma história real, do intérprete do Bozo, uma trajetória com todos os elementos para virar um longa metragem. “Bingo – O Rei das Manhãs” (Brasil/2017) é a versão romanceada da vida de Arlindo Barreto, que usou a maquiagem do palhaço americano entre 1984 e 1986 no programa matutino do SBT (na época TVS). Segundo o próprio,a cocaína era o segredinho para manter aquela alegria toda durante as exaustivas oito horas de gravações diárias.

A trama de Bingo narra as desventuras de Augusto Mendes (Vladimir Brichta), um ator de pornochanchadas que sonha em encontrar seu lugar entre as estrelas da TV. Essa chance surge ao se tornar “Bingo”, um palhaço apresentador de um programa infantil que se torna sucesso absoluto no Brasil. Porém, uma cláusula no contrato não permite revelar quem é o homem por trás da maquiagem e Augusto, ou o novo “Rei das Manhãs”, se transforma no anônimo mais famoso do Brasil. Mas o “outro lado” da fama também se apresenta diante do ator, o que o faz mergulhar em uma vida de excessos, regada a álcool, drogas e orgias, que o afasta de seu filho, a única criança que sabe a identidade secreta do astro do programa.

O diretor Daniel Rezende quis mostrar no longa uma era cafona e louca, de muitos excessos, na qual um sujeito egresso de uma linhagem de artista tenta buscar seu lugar sob os holofotes. Rezende tem um aclamado trabalho de editor em produções como “Cidade de Deus”, “O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias”, “Tropa de Elite” e “A Árvore da Vida”, de Terrence Malick. Ele faz aqui sua estreia na direção de um longa para o cinema com dignidade e fez uma escolha acertada convocando Marcio Hashimoto Soares (“Faroeste Caboclo”, “Serra Pelada”) para a função que o consagrou.

“Bingo” é bem realizado. No entanto, o roteiro desliza quanto à construção do drama pessoal de Augusto. Como ocorre na maioria das cinebiografias, o tempo exíguo acaba por condensar eventos, tomar licenças para aumentar a carga dramática, tornando tudo um pouco apressado. No entanto, a matéria prima oferecia elementos para se construir uma jornada pessoal de ascensão e queda do mesmo calibre de “Boogie Nights: Prazer Sem Limites”. Nesse ponto, o filme acaba desperdiçando um pouco seu potencial.

Além da acertada reconstituição de época e da boa trilha sonora recheada de pérolas oitentistas, de Echo & The Bunnymen a Metrô, o trunfo do longa está na escalação do elenco. Vladimir Brichta, no papel principal, dá mais uma prova de ser um dos atores mais talentosos de sua geração. Ele se alterna entre o drama e a comédia com maestria sem se deixar cair na armadilha do exagero, que certamente vitimaria um ator com menos cancha. Os coadjuvantes fornecem estofo à narrativa. Leandra Leal brilha (como sempre) como Lúcia, a produtora do programa e a pequena participação de Domingos Montagner, em sua última aparição no cinema, pode ser considerada um dos pontos altos da trama.

Por motivos de direitos autorais (Bozo é uma marca norte-americana), o nome do personagem, e até mesmo de seu intérprete, teve que ser alterado. Provavelmente para evitar altercação também por aqui, os nomes e marcas nacionais também foram trocados. A TVS virou TVP, a Rede Globo é retratada como Mundial e Xuxa é representada pela apresentadora Lulu. Gretchen (Emanuelle Araújo, reluzente), cujo caso com Arlindo na vida real é abordado no filme, foi a única que manteve o nome original. A justificativa seria dar a referência histórica com pelo menos um “ícone da época” que a produção precisava.

Por fim, “Bingo – O Rei das Manhãs” proporciona uma viagem aos anos 80, com suas cores e breguice, e também mostrando o lado obscuro dos bastidores da TV da época. Porém, em uma inversão de valores, durante boa parte do tempo o fio condutor dramático acaba parecendo mais um pano de fundo da nostalgia.

"Bingo: O Rei das Manhãs", a tragédia do palhaço – Ambrosia

Filme: Bingo – O Rei das Manhãs
Direção: Daniel Resende
Elenco: Vladimir Brichta, Leandra Leal, Tainá Muller, Ana Lúcia Torre, Emanuelle Araújo
Gênero: Comédia Dramática
País: Brasil
Ano de produção: 2017
Distribuidora: Warner Bros
Duração: 1h 53 min
Classificação: 16 anos

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