A paisagem é a última cena inteira. Guardada na memória, ela não sofre alterações a não ser que um corte profundo a faça se editar. A vida lhe impõe pequenas alterações de fluxo como um rio que persegue o curso da correnteza. Puxar fio de memória não seria arrebentar esta parte do quadro que se mantém ou não fixa para o narrado pós-experiência? Como trauma seria uma fratura desta fixidez do real revisitado em lembrança. Não quero mais lembrar, diz o traumatizado. Há um tipo de trauma num estampido, ou num tiro? Toda forma de explosão auditiva nos remete ao trincar de uma peça que também pode ser chamada de vida. Mas a imagem de porcelana trincada é a mesma de um estilhaço provocada por um projétil? A vida de alguém que segue o curso de rio pode ter estas duas noções de fratura: a trinca de… a fissura de um xícara. Ou um arranhão no braço provocado por um estilhaço de vida.
No livro de poemas Estilhaço da poeta Samanta Esteves, pela Editora Patuá, seus poemas formam-se pela aglutinação de tanto sons como de temas poéticos que funcionam com componentes que dão liga ao se nuclearem para depois se espatifarem. Ou se estilhaçarem. Há uma forma de junção de imagens, tanto naturais como imagens astrológicas como as imagens do imaginário do homem.
Tal esfacelamento se dá por deslizes do sentido que no espaço do poema dançam de forma a não se manterem grudadas na interpretação do poema, como algo totalmente nucleado. O estilhaço quando absorve o poema de Samanta mantém um espaço onde a leitura do poema se torna fluida e sensorial. Para cada verso há um desnorteio de amarras. Se não no efeito de voar ou estilhaçar, mas, pelos menos, numa fissura ou lasca de sentidos. E não é por negação que os elementos simbólicos ficam se movimentando dentro do poema. Há sim, figuras que se volatizam, e parece a mim, que orbitam dentro da explosão que a poeta faz cada vez que inaugura um petardo poético.
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