“Valsa no 6″, monólogo de Nelson Rodrigues escrito em 1951, ganha uma montagem cheia de lirismo e poesia, com belíssima direção assinada por Alexandre Boccanera, que cumpre temporada no Teatro Glaucio Gill até 10 de junho.
No palco, Julia Schaeffer, Ana Moura e Guilherme Miranda manipulam a boneca protagonista, que tem quinze anos e não se lembra dos últimos eventos de sua vida. O que vem à sua cabeça são elementos dispersos: alguns nomes, a princípio desprovidos de rosto ou história – Paulo, Sônia –, alguns personagens – Dr. Junqueira – e, aos poucos, fragmentos das cenas que teria vivido (ou que teria imaginado?) e que vão, paulatinamente, deslindando um mistério que vai sendo projetado através de animação criada pelos animadores Beatriz Carvalho e Diogo Nii Cavalcanti. Essas animações vão elucidando alguns pontos sem explicação e preenchendo as lacunas que a personagem procura contornar.
A criatividade da montagem da Cia Teatro Portátil é o ponto alto desse espetáculo, que mistura linguagens diversas em prol de uma exploração artística do monólogo rodrigueano. A boneca Sônia, a atuação excelente do elenco que a manipula e que faz as vezes da mãe e do Dr. Junqueira, as imagens que podemos acompanhar, a beleza da trilha sonora de Guilherme Miranda, tudo isso contribui para a riqueza da experiência estética proporcionada pelo espetáculo.
O texto, por si só, já traz partículas de poesia de forte poder imagético, além de evocar questões instigantes do ponto de vista filosófico. É possível citar o momento em que a boneca fala sobre a chuva e se refere aos anjos que escorrem pelas paredes, com o temporal. Ou quando a protagonista, em busca de entender o que aconteceu em sua vida e quem são Paulo e Sônia, fala sobre a memória como se ela se constituísse de fragmentos que são levados através do fluxo de um rio.
Assim, ela pode vislumbrar, aqui e ali, um “fato antigo passando”, e essa forma de descrição da memória remete metaforicamente à dinâmica de nossas lembranças e à ausência de controle sobre o que constitui a compreensão que temos de nós mesmos. Ora, se é através da memória que sabemos quem somos, se é por meio dela que temos a certeza de que o que entendemos como o ‘nosso eu’ continua sendo aquele que nos é habitual, estável, familiar, como então lidar com essa amnésia que parece abalar a suposta coesão de nossa história de vida? Se não lembramos o que fizemos, quem somos e como nos constituímos, o que resta de nós? O que resta de Sônia?
A protagonista do espetáculo guarda a memória recorrente de uma música, a Valsa no 6, de Chopin, consegue se lembrar de uma sensação – alguém que se aproxima dela por trás – e tem nomes avulsos na cabeça, mas nada disso forma um todo coerente, e é esse mistério que a persegue no texto de Nelson Rodrigues.
E o que é sumamente interessante na montagem da Cia Teatro Portátil são exatamente as escolhas dramatúrgicas para trabalhar esses lampejos de genialidade próprios do monólogo, trazendo o diferencial de transportar a poesia e a força imagética nele contidas para as diferentes linguagens usadas em cena.
FICHA TÉCNICA
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: Alexandre Boccanera
Elenco: Guilherme Miranda, Ana Moura e Julia Schaeffer
Desenho Animado: Beatriz Carvalho e Diogo Nii Cavalcanti
Trilha Sonora: Guilherme Miranda
Cenário: Suiá Burger Ferlauto
Figurino: Antônio Guedes
Boneca: Raimundo Bento
Iluminação: Aurélio de Simoni
Maquiagem: Mona Magalhães
Preparação corporal: Joana Ribeiro e Marito Olsson-Forsberg
Produção Executiva: Clarissa Quintieri
Produção: Boccanera Produções Artísticas
Realização: Teatro Portátil
SERVIÇO
Espetáculo: Valsa nº 6
Temporada: De 12 de maio a 10 de junho de 2016.
Local: Teatro Glaucio Gill (Praça Cardeal Arco Verde s/n – Copacabana)
Informações: (21) 2332-7904
Dias e horários: Quintas e sextas, às 20h.
Capacidade: 86 lugares
Duração: 50 minutos
Classificação indicativa: 14 anos
Gênero: Drama
Ingressos: R$15 (meia) e R$30 (inteira)
Horários da bilheteria:
De segunda a domingo, das 16h às 20h.
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