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Livro A engenhosa tragédia de Dulcineia e Trancoso desfaz fronteiras ao fiar uma herança narrativa e cultural

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A escrita difere da vida porque na vida não nos é dado a visibilidade dos fios, não podemos ver (de frente) o destino. Ele só será escrito quando o futuro, esta máquina do tempo, chegar no agora ou na ágora, a praça dos diálogos entre povo e lei, entre os personagens, e o estado que os (di)gere. Assim como na história, a escrita, é uma narrativa que só conhecemos os ditames e seus enredos quando uma tal de ação dramática mostra seus cernes e conflitos.
Se o primeiro conflito de interesses – o sexo – gerou a vida, o romance é a sua perpetuação dentro de um compasso de uma longa ou baixa existência. Mas aos poetas, algum ente deu à eles o dom da perenidade, a forma de expressar pela contenção das beiradas, de dizer em círculos obsedando retas, de falar de uma vida em um pleno haicai. O  que diria um trovador que, andando com sua rabeca, fosse parado por um transeunte e este lhe pedisse uma canção num formato de trova discorrendo a história tanto de Paris quanto da França? Diria o trovador isto, resolvo em métricas, verso a verso e dou minha anedota.
Mas nossa história universal da infância tem muitas tramas, muitos fios que foram trançados multiculturalmente entre laços ibéricos, entre portugais e espanhas, caravelas e navios a estibordo deram com a águas daqui. Houve a miscigenação tanto biológica quanto cultural. E fio da narrativa se entrelaçou entre os narradores de ser (a)vantes ou do antes (rolan)dando no meio do caminho (Drummond) ou a Pedra do reino.
Pois terço ao invés de ler, pois, com fio de costura que cruzo as várias pontes e fronteiras abertas! do novo livro de W.J. Solha um romance chamado A Engenhosa Tragédia de Dulcineia e Trancoso, editora Penalux. Numa glosa perfeita, o autor em métrica narrativesca, conta um enredo apenas moteado em sequências onde traça a história da nossa literatura brasileira trançando-a com a ibérica de Cervantes. Mas Solha não desenvolve uma narrativa propriamente dita, ele usa de forma tão poética quanto original, arquétipos tanto do livro de Ariano Suassuna em a Pedra do Reino, quanto Dom Quixote, usando mais a densidade imagética dos personagens dos livros, tanto do espanhol quanto de Ariano. Aqui falo em que a cultura: esta formação de temperos e temperamentos, este caldo que nos dá uma unidade de fiar e confiar no estatuto da palavra, como forma de peregrinação identitária.
Todo texto do poeta é trabalhado no verso mais rico e matizado em musicalidades, em nuances da língua, em matizes de sentidos que vazam a mera capacidade de significação. Cruzando o viés narrativo, Solha entrecruza no discurso, fatos jornalísticos, referências culturais, filigranando o texto com um humor muito pertinente que não chega numa crítica, mas sim num sorriso atravessado por comissuras travessas. Como diria alguns teóricos da literatura, Eco já falou nisso (obra aberta), teríamos na narrativa tanto quanto a escrita, uma intertextualidade que quebra muito a questão da obra original, eivada de subjetivismo, apenas.
O ritmo e  cadência dos versos me chamou muito atenção, pela talento de Solha em estabelecer um fio condutivo alicerçado em tais obras e cozer com uma agulha finíssima os pontos, os veios da trama-versalizada, não apenas histórica, mas sim semântica e poética. Sua verticalidade estética em prosear em canção e trova para a reverbere condição arqueológica literária cativa, e muito.

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