A vida nunca é matemática. Por não saber que lógica uma existência pode ter ou vir a ter, nossas ações são feitas por desejo e vontade e não são equacionadas num resultado razoável ou racional. A mente é até aberta ao seu meio para pessoas que vivem em centros urbanos, ela é relacional ao meio social. Filtramos o que vemos e trabalhamos isso nas emoções que são nada mais que antenas de captação das informações afetivas/sociais/políticas que o mundo jorra para dentro de nossas nucleadas personalidades. As reações são, antes de tudo, um tipo de filtro do intelecto de como respondemos aos estímulos externos e muitas vezes o juízo é completamente doido varrido.
Uma das questões que mais nos diz respeito nas sociedades de massa e capitalistas é o medo da nossa própria perenidade; do nosso corpo não ser conectado ao real/mundo, de fabricarmos que estamos doentes ou em vias de ficar debilitado. Será? No livro de contos Enquanto o infarto não vem do escritor Felipe Lários, (editora Patuá) vemos toda este regime conceitual de como o real pode se desmantelar através de nossos olhos/percepções. Se somos o que botamos para dentro, incluindo a dieta que temos com os alimentos, a forma de consumi-los, eu diria até que a digestão é um ato político. Absorver é captar aquilo que você necessita para o seu bem-estar? (sic)
Nos personagens do escritor há sempre uma disritmia entre o desejo e a volição do consumo. Aqui abro parênteses para dizer que o consumo perpassa muito o ciclo alimentar para contextualizar os personagens do autor, como nos contos Só para gulosos e Enquanto o infarto não vem, metaforizar um processo de viés político, onde, dentro deste escopo dos contos citados como nos outros, Felipe modula muito bem um certo humor irônico e uma consciência critica social do abismo entre classes, da posição do homo fabris que produz trabalho e recebe seu dividendo, para si próprio, e nuclear-se à base de racismo, homofobia, e invisibilidade social (moradores de rua). O autor nas sua três partes: Angina, taquicardia, e isquemia, faz um mosaico onde a doença passa a ser a metáfora de uma condição, como dizia Susan Sontag.
Há sempre uma relação de não pertencimento entre meninos de rua e pessoas que possuem algum tipo de cargo, ou trabalho, aqui o trabalho serve como acusação de um estado de “despossuimento”, como no conto O mendigo que tinha olhos de abismo, onde o consumidor precisa esconder suas compras do supermercado, pois o mendigo lhe pedirá uma moeda.
Felipe tem todo um trabalho de elaborar a linguagem para cada história, como no caso do primeiro conto, Só para Gulosos, em que o humor se infiltra de uma forma quase surreal. Em outros, ele maneja com precisão cirúrgica, muito devido ao fato de sua formação ser de Ciências Sociais, indo na minúcia, numa linguagem incisiva e cortante, desmontando estas políticas cotidianas de fascismo, que engendre tais forças conservadoras aniquiladoras e de negação ao outro.
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