Você já viu quanto cabe na memória uma fazenda? Casas com 10 quartos onde a família junta-se nas férias. Tente se desapegar de uma lembrança dessas, você começa a sofrer os efeitos das lágrimas. Cada recanto, cada quarto, é um baú de guardados, uma espécie de álbum cinético totalmente colado à sua pele. Quem traz um pouco de um lugar desses talvez não precise de máquina fotográfica. Mas se tiver, abra, lentamente, e perceba no canto dos olhos, uma lágrima prismática descendo ao vão do nada. A escritura da família é uma das mais potentes formas de impressão caligráfica-sensorial, a relação de distância que temos de um lugar que não visitamos com frequência nos permeia de saudades quase morfopoéticas. E a saudade é uma das primeiras invenções da escrita. Escrita – memória – linguagem.
Mas como relacionar a imagem de uma foto como processo de escrita? As duas estão margeadas por uma fixidez material, por uma estampa no caso quando escrevo projeto páginas, laudas, quando fotografo tem-se todo processo químico-físico do revelar… no papel, e posterior Álbum.
A poeta Ana Elisa Ribeiro em seu novo livro chamado Álbum, editado pela Relicário, coloca este diálogo entre a escrita e suas formas cambiantes de visualizar o real, e perscrutá-lo com a imagem fixada de uma foto. Eternizada? Mas dentro destas duas operações semânticas e significantes a foto não teria dentro de seu escopo mais falsificações, até do que uma narração, quanto a certa duração, de um estado que foi capturado de sua velocidade cinética aqui digo vida.
Ela não traria mais níveis ou camadas de interpretações pois como é mexer com lembranças se a memória se reinventa, se reescreve, a todo tempo, mudamos através de lapsos- fatos corriqueiros. Ana, não era assim nesta foto. Não lembro disso. Ana através de uma minuciosa escrita alusiva e filigrânica, vai velando e conversando com o leitor, sobre estas pegadinhas entre a vivacidade de fotos permeadas de afeto que parecem que alteram certas posições afetantes quanto ao devir, ao futuro, como se a foto fosse uma guilhotina de devires, de ações gestantes.
No processo de refazer a casa quando dela não mais estamos ou por motivo de venda ou morte, é um tipo de escrita fantasmática que ali se infiltra com o corpo; quase sendo uma página aberta às marcas, aos sonhos, frustrações, que atravessam o visual surreal de uma grande câmera sem edição.
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