Vou pensar no David Bowie, aquele artista camaleônico que teve várias vestes, inúmeras facetas em seu périplo artístico. Que sabe de adequar ao ambiente ao mesmo tempo que toma dele a sua seiva de consumo-conteúdo para produzir arte. Será mesmo que um animal mude sua pele, sua cor, aquilo que tem de mais íntimo para fugir ou se adaptar de uma ameaça ou perigo que o tome de assalto?
Por que numa sociedade cambiante, fluida, líquida, precisamos deste dom, de se mimetizar de uma pele camuflada, para diminuir as distâncias. Mas como estão os afetos para ter esta mudança de cor, camuflado ao ambiente? Será que numa paleta de cores como um belo arco-íris, um pequeno camaleão precisaria se esconder pelo mesmo tom das árvores onde ele habita e tem fome? Dizem que depois que você mata a fome, há uma sede de fazer arte, uma vontade de sair da casca do corpo ou pensar o próprio corpo como invólucro de afecções. Homeostase, aquilo, que controla seu perfeito equilíbrio do organismo com o meio ambiente. relações térmicas. Mas a arte seria uma relação de equilíbrio entre partes? Ou de desequilíbrio entre mundo interno e seu fora. Por que certos seres teriam a necessidade de se assimilar ao entorno?
Partindo destas iniciais premissas, reúno todas estes postulados para me acorrer ou ocorrer sobre a posição que opera a poeta Yasmin Nigri em seu primeiro livro de poemas, Bigornas (editora 34). Uma posição de levante, de uma visão que flua sobre a paisagem desértica deixando ao olhar a forma fluída da reflexão. Aqui cabe salientar a forma de eficiente distância do eu lírico ao trabalhar elementos humanos e existenciais de sua forma biográfica.
A poeta trabalha com uma fina autoironia, as relações/percepções dos conflitos e enlaces das relações tanto afetivas quanto sexuais de forma a captar tanto suas nuances quanto ao de quem está com ela. Aqui talvez, não caiba completamente o fecho confessional para nivelar sua potência em tematizar uma vida em tom fervente-fervoroso. Seu desnudamento não requer sombreamentos ou autoengano, muito pelo contrário, sua eficiência em se analisar com forte acento irônico requer uma certa petulância do ego sem egoísmos.
Pois Yasmin não é disso, o que prova a segunda seção do livro quando versa sobre seus artistas diletos, reconfigurando-os ou se mimetizando neles como uma boa camaleoa. Ela talha sua vida em suas musas e musos numa música celeste e teutônica. Este poder de observação sobre a arte da leitura me chamou muito atenção pela capacidade da poeta de se colocar empaticamente na pele do outro.
A terceira parte ela tematiza a figura feminina na arte da escrita ou da sublimação da escrita. Aqui ela se distancia mais da primeira parte de veia biográfica, mas desenvolve toda uma questão de falar sobre feminino sobre o julgo do outro. Há uma excelente referencialização de como os sexos se veem em comuta, em relação. Parte de um narrador mais fixo e distante para dissecar a falta de alteridade de homens com as mulheres. Na última parte, chamado bigornas, ela sintetiza na forma da expressão do poema, enxuta e sintética, todo um repertório de alinhamentos e levantamentos semânticos da palavra conceito com sua referencialidade espacial.
Aqui parece que a poeta brinca como um desenho animado, dando ao objeto bigorna um uso tão maleável quanto sua expressividade poética. Dualiza a forma do seu verbo-poético com a leveza de uma bigorna assassina de coiotes. Papa légua ou papa língua, Yasmin.
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