Paul Auster, um dia, com seu personagem nova-iorquino, experimentou andar pela cidade apenas como o elemento de uma errância de pernas, colocar o movimento do corpo sem postular lastro comercial ou destino. Em outro livro seu também, Cortina de fumaça, um dono de bar postava sua máquina fotográfica numa esquina de uma rua de Nova York enquadrando aleatoriamente pessoas que entrasse em seu foco. Fotos de personagens-passagem.
Para a literatura existe uma geografia que não obedece apenas ao itinerário físico de um certo local tanto faz de origem como pouso ou destino. O corpo humano em seu devido respeito é uma mapa cartográfico de afetuações e afecções que a missiva amorosa reconhece como, cais, pouso ou logradouro de paixões, amores rasgados. A relação de demanda amorosa é também uma cartografia de endereços, para mãos, bocas, olhos, pescoços. O corpo e suas fronteiras nada mais seriam que uma mapa que nos dá um sentido de pertencimento para o outro.
Em Mapas Sutis, livro de poemas da poeta Karen Debértolis, pela editora Patuá, uma linguagem coberta de sedimentos estelares que nuançadas filtram por uma lente de minúcias poéticas, os caminhos que podem ser geográficos ou de alguma forma de transporte terrestre, para ver o milionésimo de segundo de acontecimentos que estão ou podem estar fora da órbita da ação em transcurso. Assim como uma viagem de carro pode se mimetizar em lembranças ou flocos de afeição de um lugar remoto e distante que por um sentido epifânico aparecem num certo retrovisor como os mil reflexos podem sair de um conto de Jorge Luiz Borges.
A poeta trabalha de forma encantadora, suas referências poéticas de uma vida envolta em leituras, audições e contatos que perpassam tanto afetos por gentes quanto o reconhecer-se no outro autor como forma de mímese. De representação de seu conteúdo imagético interior. Depois de palmilhar o território das terras, dos abraços, à deliciosos horizontes, Karen, parte para uma exploração submarina dos desvãos das profundezas, onde a palavra adquiri uma densidade leve e etérea; onde os espaços são maleáveis à se dizer pouco com muito sentido, ou a contextualizar o mar com uma poética da cidade litorânea, de uma tradição cancioneira que se confunde com os fluídos da água, com as palavras salgadas saudades. Uma geografia íntima e celeste e que temos ou vemos na sensação de linha, só quando olhamos para um horizonte entre terra e mar.
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