Não ponhas teus medos no balaio, João, balaio se mistura joio ao trigo. Do contentamento ao sofrimento. Nunca ouviu a frase não bote tudo no mesmo balaio. Se for para triturar em algum moinho: sementes são trituradas junto ao excludente-excedente – ao bagaço de algo não pertencido.
Triturar é moer ou a dor ou a sorte, pois nada nesta vida vem de graça. Tudo é olhar o outro na sua ação desastrosa e ver-se, ou não, envolvido nela. O moinho da cana não é igual o da vida, pois existência não é doce que nem rapadura, também não é amarga, taí mais uma vez, o olhar, este que também narra as coisas no munjolo da vida ( mundo)
Zé não tem preocupação na vida, está no ciclo do engenho onde a roda do moinho gira em torno do tempo refazendo. Mas o que é a literatura se não um engenho de narrativas onde a voz da autora Aline bei, com o lindo O peso do pássaro morto, pela editora Nos, é sua máquina de triturar motes pela vida afora. Se do outro lado sai uma garapa ou algo mais amargo não depende do doce, pois narração vem ao gosto do cliente. Leitura é sua própria substância?
Pois vejo muito engenho nesta narração em forma de plantio como se da terra brotasse apenas beleza, O pássaro tem um peso voando? Tem outro na gaiola? E mais outro, morto? Quando leio um livro-poema tenho vontade de sair correndo pela mata mais próxima, me jogar na tessitura dos galhos de uma mata cerrada. Aline me ensinou que história oral contada por ela pode vir com a mão em concha, não necessitando de balaio.
Ao contar em forma de poética, a história de uma mulher aos 8 anos aos 52, Aline entrosa a ramificação da prosa na forma doce e coloquial de ser conversar com o leitor. Chama-o para perto para ouvir uma espécie de perda da inocência. O mundo da infância com a Carla (amiga do peito) que se perde no jardim de um quadrúpede. Há nos períodos da vida, como infância e adolescência, uma poética do fantasioso aquela que pede alumbramentos, tipo assombro de ver uma aparição. Aquilo interdita a fantasia da menina ou do menino e cria poder de observação-criação. Nesta fase no livro de Aline, a narradora cria seu mundo com moinhos de vento.
O bagaço da cana não é doce, já foi tão triturado pela boca que morde feito um cão, que não tem mais vida-sabor. Daí que o filtro do olhar já não mais fantasioso, pega a vida no cabresto. A narradora aprende à se descolar dos entornos-moinhos, a narração perde a pueril inocência para ganhar ares de tragédia -humilhação. Não moer a dor, deixa-la líquida como um caldo que entorna, não liquidá-la como sobras de um corpo. A narração é ponto de equilíbrio entre o que se esfarela ao resumir pó ou pólipo da flor que germina na poética da dor.
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