“O Bastardo”: Mads Mikkelsen estrela em bom western dinamarquês

Kongens Land - Zentropa - Nikolaj Arcel

O mais poeirento dos gêneros cinematográficos morreu, mas passa bem. Há quem diga que já se foi a época do faroeste – ou western, no original – entretanto filmes deste gênero continuam sendo feitos, em menor número é verdade, mas com bons resultados. “O Bastardo” chama a atenção por ser um dos novos westerns, mas o verdadeiro chamariz para o filme todos sabemos qual é: a presença do ator Mads Mikkelsen

Copenhagen, 1755. Ludvig Kahlen (Mikkelsen), após 25 anos no exército, pede ao mesmo tempo baixa da função e permissão para construir e cultivar na inóspita região da Jutlândia. Como o investimento será todo dele e a única coisa que ele quer em troca se obtiver sucesso é um título de nobreza, seu pedido é atendido. Kahlen acredita estar cultivando terras devolutas do rei, mas o magistrado Frederik De Schinkel (Simon Bennebjerg) afirma que as terras são dele. Ele é comprometido com a norueguesa Edel Helena Leising (Kristine Kujath Thorp), e parece que as terras não serão a única coisa que Kahlen irá tirar de Schinkel.

Kongens Land – Zentropa – Nikolaj Arcel

Para começar o duro cultivo no urzal, Kahlen contrata primeiro um casal foragido das terras de Schinkel, depois um grupo de ciganos que vivem na floresta ao redor. Todos os empregados vão embora depois de uma ameaça de Schinkel, que também mata o foragido Johannes (Morten Hee Andersen). Sobra apenas a menina Anmai Mus (Melina Hagberg), que decide não seguir o grupo. Restam Kahlen, Ann Barbara (Amanda Colin) e a menina para, juntos, plantarem batatas na terra e prepararem tudo para que no futuro venham colonos.

Esta não é a primeira incursão de Mads Mikkelsen no western. Em 2014 ele fez “A Salvação”, onde interpreta um colono em busca de vingança. O ator despontou para o mundo com “A Caça” (2012) e mais recentemente trouxe status e dance moves para o ganhador do Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira “Druk – Mais uma Rodada” (2020). Com muitos fãs no Brasil, seu nome é garantia de bilheteria e sem dúvida foi primordial para que “O Bastardo” fosse lançado nos cinemas.

O diretor Nikolaj Arcel, que já havia trabalhado com Mikkelsen em “O Amante da Rainha” (2012) diz sobre a nova empreitada:

“Quando tive a experiência totalmente transformadora de me tornar pai há alguns anos, comecei a rever meus filmes anteriores, incluindo as memórias de fazê-los, por uma nova perspectiva. Embora eu continue orgulhoso do trabalho (pelo menos da maior parte), ele reflete a visão de um homem com um único propósito; uma dedicação apaixonada à criação de histórias e arte. O Bastardo surgiu desse acerto existencial e é, de longe, meu filme mais pessoal até hoje. Ajudado pelo brilhante romance de Ida Jessen, Anders Thomas Jensen e eu queríamos contar uma grande e épica história sobre como nossas ambições e desejos inevitavelmente falharão se forem tudo o que temos. A vida é caos; dolorosa e feia, bela e extraordinária, e muitas vezes somos impotentes para controlá-la. Como diz o ditado, “Fazemos planos e Deus ri”.

Fica claro que Anmai Mus é uma menina cigana, povo que sofreu e sofre muito preconceito. Na Dinamarca, estima-se que 0,1% da população é cigana, com os primeiros ciganos chegando ao território em 1505. A Dinamarca é considerada um dos países mais intolerantes da Europa, com 72% da população reagindo negativamente quando perguntados sobre os ciganos.

En film af Nikolaj Arcel

Para nossa surpresa, descobrimos ao final da projeção que a história que vimos até então é baseada em fatos reais. A inspiração direta para o filme é o romance “The Captain and Ann Barbara”, de autoria de Ida Jessen e publicado em 2020. Muitos espectadores viram paralelos entre este filme e “Oppenheimer” (2023) por ambos apresentarem protagonistas solitários e taciturnos em missões muito complexas. “O Bastardo” foi o escolhido da Dinamarca para o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, mas acabou não sendo indicado na categoria.

Schinkel defende a tese de que “a vida é caos”. O western sempre colocou ordem no caos, fosse contando a saga dos desbravadores do Oeste ou narrando histórias em que inevitavelmente o bem vencia o mal. Por suas virtudes e signos facilmente identificáveis, continua sendo um gênero  para o qual vez ou outra o cinema se volta.

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