John Scalzi, atualmente com um bom número de obras publicadas, iniciou sua carreira literária com este livro. Uma primeira ficção que também lançaria uma série de outras narrativas que envolvem operações de guerra espacial, militar não belicosa ou militarista.
Em Guerra do Velho (Aleph, 2016), o autor bebe de Robert A.Heinlein (Tropas Estelares) e Joe Haldeman para narrar uma história com uma leitura divertida, ágil e fácil de ler, mas com certa profundidade reflexiva em torno de temas como guerra, diplomacia, colonização, identidade e rejeição.
A humanidade finalmente chegou à era das viagens interestelares. A má notícia é que há poucos planetas habitáveis disponíveis – e muitos alienígenas lutando por eles. Para proteger a Terra e também conquistar novos territórios, a raça humana conta com tecnologias inovadoras e com a habilidade e a disposição das FCD – Forças Coloniais de Defesa. Mas, para se alistar, é necessário ter mais de 75 anos. John Perry vai aceitar esse desafio, e ele tem apenas uma vaga ideia do que pode esperar.
Assim, sob essa aparência de leveza narrativa e toda a parafernália futurística do gênero; o autor aproveita o impulso que a ficção científica permite para lançar algumas reflexões. Sobre a atual consciência coletiva mundial e na forma do pensamento ocidental com sua suposta superioridade moral e sua indiferença a outras culturas. Aqui apresentada frente à colonização do espaço; devido a certos eventos anteriores; só é permitida a pessoas de países subdesenvolvidos, enquanto os norte-americanos se submetem a um “serviço militar” especial.
A narrativa
No dia em que o protagonista, John Nicholas Perry, completou 75 anos, ele fez duas coisas: visitou o túmulo de sua esposa e confirmou seu alistamento nas FCD. Em uma galáxia onde planetas habitáveis, desabitados ou não, são uma mercadoria rara e fortemente contestada, a humanidade não pode ficar para trás em face de outros seres. Assim, colônias distantes devem ser defendidas de alienígenas beligerantes ao mesmo tempo que se luta pelo controle de novos planetas que estão sendo descobertos.
A Terra, após uma trágica experiência de guerra, vive em paz. Algo difícil de acreditar conhecendo nossa própria história e sabendo sobre o estado do resto da galáxia. Nosso planeta dá as costas totalmente à guerra que está ocorrendo lá fora, embora todos saibam que o exército que comanda oferece um alistamento aos 75 anos por um período mínimo de dois anos, prorrogável unilateralmente a dez anos em troca de um tratamento de rejuvenescimento para os velhos recrutas.
Através de uma história ágil, em meio a tiros, saltos espaciais, inúmeras mortes, muitas delas sem sentido, com alienígenas e planetas disputados, Scalzi dedica-se a desenhar a “realidade” da guerra, longe do misticismo e do heroísmo, onde a epopéia dá lugar à dura realidade e às dúvidas éticas sobre a justificativa de certas ações.
O autor levanta muitas questões, como a definição da nossa própria identidade, da natureza daquilo que nos faz ser e permanecer “humanos”; apesar de todas as mudanças que possam ocorrer. O sentido e a necessidade de um fim, da morte, apesar da maturidade da passagem do tempo, de perder entes queridos ou de esquecer o vivido. A ética à manipulação genética, os objetivos para tal fim, seus limites e o momento em que pode sair do controle. A necessidade humana de contato, de ficar em grupo, de se unir. A lealdade. o corporativismo militar, o espírito da irmandade. A amizade abnegada. Os preconceitos, a xenofobia, a luta pela supremacia, a dificuldade de partilha …
Todas essas questões são narrados em meio ao uso abundante de recursos tecnológicos futuristas, como o jeito surpreendente de viajar mais rápido que a luz e os avanços na bioengenharia que levaram a importantes “melhorias” dos corpos dos combatentes, com implantes cerebrais cibernéticos e nanotecnologia incorporados que os transforma em pós-humanos autênticos.
Entretanto, o humor fica falho em algumas cenas, embora o protagonista tente fazer algumas piadas irônicas e maliciosas, e alguns de seus colegas, em vez de idosos, pareçam alunos do ensino médio, com aquelas saídas engraçadinhas que já vimos em alguns filmes teens.
O livro se divide em 18 episódios, fazendo do processo de descoberta e envolvimento com a trama do leitor se alinhar ao fio narrativo da carreira militar do protagonista: recrutamento, adaptação, treinamento e várias missões militares. Com grandes saltos no tempo, sem dar lugar a detalhes e descrições dentro do universo criado do autor, embora dê grande importância à questão da amizade apesar das distâncias estelares de separação. Scalzi vai ao cerne da trama, sem desvios ou distrações – e quando parece haver um, no final descobrirá que não era.
Guerra do Velho reúne momentos intensos, quase épicos, de bastante ação, surpreende com suas especulações sobre o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, e reflexões interessantes sobre o futuro da Humanidade em sua possível expansão pelas galáxias. O autor é hábil em retratar tanto cenas de guerra quanto momentos de maior envolvimento sentimental – alguns talvez desnecessarias – usando um estilo fluido, suave e aparentemente simples.
Indicado ao Hugo de Melhor Romance em 2006, Guerra do Velho, foi a estreia de Scalzi e apesar de alguns defeitos específicos, talvez pelo status de inédito, e ao fato de ser uma leitura totalmente independente e fechada, o autor se mostra sólido em sua proposta e em sua identidade de ficção científica.
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