Na Belle Époque – época de bonança e criatividade que antecedeu a Primeira Guerra Mundial – todos os caminhos levavam a Paris ou, melhor dizendo, em Paris estavam todos os artistas de renome. Por isso, nada mais natural de que a história de Pablo Picasso um dia se entrelaçasse com da capital francesa. É a relação intermitente entre o pintor e a cidade que é explorada no documentário “Picasso: Um Rebelde em Paris”. E a produção vai além: é também a “história de uma vida e de um museu”, como o sub-subtítulo anuncia.
Picasso chegou a Paris em 1900, perto de completar 20 anos de idade. Trazia uma mala, um cavalete e não falava francês. Viveu na pobreza, mas esperançoso por estar numa terra que oferecia muitas possibilidades de futuro e sucesso. Vinha do bairro mais popular de Málaga, na França adotou apenas o sobrenome materno e expunha pouco, com medo da xenofobia que ameaçava os já mais de um milhão de estrangeiros que viviam na capital francesa.
Tudo começou a mudar em 1905, quando os irmãos Gertrude e Leo Stein, norte-americanos radicados em Paris e possuidores de faro fino para os sucessos de vanguarda, compraram algumas de suas obras. O ano seguinte seria o ano da Grande Revolução para Picasso, quando foi pintar em meio às montanhas de Gosól, na sua Espanha natal. De volta a Paris, inaugura seu período Cubista e o Cubismo na arte de modo geral.
Hoje, o Museu Picasso abriga cinco mil obras do artista, além de duzentos mil itens de uso pessoal. O prédio que abriga essas coleções surgiu como edifício-ostentação construído por um cobrador de impostos no século XVII. Nada mal para um artista que não se preocupava com questões de legado.

Não são só alabanças destiladas ao pintor. Picasso era também possessivo, teve muitas mulheres mas afirmou que morreria sem nunca ter amado. Conforme envelhecia, suas conquistas amorosas ficavam cada vez mais jovens, e o fim de cada relacionamento trazia o drama da possibilidade de repartir os bens e o pintor ser separado de seus valiosos quadros. Além disso, duas de suas mulheres cometeram suicídio após sua morte e também após dedicarem sua vida a ele: assim como fazia na pintura, na vida real também manipulava e deformava suas mulheres.
O paralelo com a narradora Mina Kavani é estabelecido nos primeiros minutos: assim como o pintor, ela chegou a Paris vindo de outro país, no caso o Irã, e viveu como estrangeira na Cidade Luz, mais de um século depois de Picasso passar pela mesma experiência. É uma narração poética, acima de tudo, e a forma escolhida para filmar a narradora, quando ela aparece em cena, é de lado, quase de costas para nós. Tem de se voltar para trás e pouco aparecer de perfil: afinal, estamos tratando de um passado que ainda se faz presente nas obras expostas no grande museu.
Algo de que gostei muito no documentário é que todos os entrevistados são identificados mais de uma vez, o que evita confusões e nos lembra de quem são aquelas pessoas para falarem com propriedade de Picasso. E é um time de peso: de origens variadas, temos artistas, historiadores, pesquisadores na área das artes, administradores do museu.

Logo no começo somos informados de que Picasso era fascinado pelo circo. Um de seus alter-egos na pintura foi o Arlequim, homem sem pátria que divertia a todos ao seu redor. Seu filho Paulo foi pintado pelo pai como um Pierrot, que nada mais é que um Arlequim triste. Assim define a diretora Simona Risi a relação de Picasso com o circo:
“Em nosso documentário, o circo é uma metáfora para ilustrar a personalidade complexa do protagonista e suas dificuldades em encontrar um equilíbrio entre os opostos”.
Outro grande artista do século XX que foi fascinado pelo circo era Federico Fellini. Ele encheu de elementos e personagens circenses seus filmes, assim como Picasso fez com suas pinturas. Ademais, Fellini teve seus alter-egos no cinema, sendo o mais famoso o diretor-protagonista de “8 1/2” (1963), e Picasso também se pintou para muito além dos autorretratos. No circo da vida, Fellini e Picasso foram múltiplos e assim entraram para a História da Arte. Não é à toa que continuam sendo assunto de livros e documentários, como este que muito informa, sem perder de vista que Picasso era profundamente humano, portanto falho e cheio de contradições.
NOTA 8 de 10









Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.