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Reboot de Perry Mason agrada com história de origem complexa para o personagem

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Perry Mason Season 1 - Episode 2 Gayle Rankin,Tatiana Maslany, Lili Taylor Photograph by Merrick Morton/HBO
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Por causa de uma onda de nostalgia ou por pura falta de criatividade – você escolhe – a verdade é que Hollywood vem apostando em reboots: novas versões de séries antigas, algumas com elenco original e respeitando em parte a história já construída – como Will & Grace e Veronica Mars – e outras partindo do mesmo princípio, mas com mudanças substanciais na trama – como One Day at a Time e Perry Mason, que traz o advogado mais sagaz da televisão com roupa nova e muitas questões, pessoais e profissionais, a resolver.

Um crime brutal acontece nos últimos dias de 1931: um bebê sequestrado é devolvido aos seus pais, após o pagamento do resgate, sem vida e com os olhos costurados para ficarem permanentemente abertos. A notoriedade do caso faz com que a polícia se sinta pressionada para prender logo um culpado. Nesse cenário, um milionário que frequenta a mesma igreja dos pais da jovem vítima decide agir e contrata uma equipe de investigação particular, da qual faz parte o complicado detetive Perry Mason (Matthew Rhys) e seu “sócio” Pete Strickland (Shea Whigham).

Ao mesmo tempo em que a polícia se sente pressionada, a equipe de investigação liderada por E.B. Jonathan (John Lithgow) quer resolver o caso o mais rápido possível, causando conflitos entre Mason, com seus métodos investigativos pouco ortodoxos, Jonathan e a secretária Della Street (Juliet Rylance), contratada por Jonathan “apenas para atender telefone”, nas próprias palavras dele, mas que acaba se envolvendo com o caso ao passar um tempo acompanhando a mãe do menino, Emily (Gayle Rankin). Della é a única personagem que mostra um pouco de empatia por Emily e não a julga de antemão.

Como membros de uma igreja e protegidos de um de seus fundadores, os pais da vítima conseguem que o funeral seja feito no grande templo da congregação, resultando em um megaevento que mexe profundamente com a pastora do local, irmã Alice (Tatiana Maslany). Alice é marionete de sua ambiciosa mãe, Birdy (Lili Taylor), que para manter a aura de respeitabilidade se refere à filha como “irmã” mesmo quando não estão na igreja.

Emily, Alice e Birdy

A igreja de Alice e Birdy é estranha – e estranhamente familiar. Espetáculos são montados para os fiéis, com encenações, milagres e encenações de milagres. Entretanto, Birdy prefere abandonar uma ovelha desgarrada a ajudá-la, afinal, salvar todo o empreendimento que é a igreja e o plano de futuras filiais é mais importante que resgatar um ser humano. Para tornar a administração clerical ainda mais complicada, a calculista Birdy vai aprender, da pior maneira, que ela e a filha podem ser as pedras fundamentais da igreja, mas são os homens que tomam as decisões sem consultá-las.

Todo o elenco tem performances sensacionais, com destaque para Gayle Rankin como Emily, mãe da vítima e ocupante do banco dos réus. Merece elogios também a diretora Deniz Gamze Ergüven, que dirigiu três episódios. Por trás das câmeras também estão os produtores-executivos Robert Downey Jr e sua esposa Susan Downey. Robert estava escalado para o papel principal quando o reboot foi pensado pela primeira vez, em 2016, mas com o passar dos anos preferiu ficar apenas nos bastidores.

Alguns espectadores mais sensíveis podem se incomodar com os vários cadáveres presentes na tela a cada episódio. Quem também se sentiu muito incomodado foi quem esperava um Perry Mason como o de Raymond Burr, lá dos anos 50, e se deparou com a nova versão atormentada, mas não por isso menos interessante. E a prova de que as mudanças não prejudicaram o interesse pelo novo Perry Mason é que uma segunda temporada já foi confirmada pela HBO.

As várias faces e fases de Perry Mason

Perry Mason surgiu nos livros de Erle Stanley Gardner em 1933 e seus casos já foram adaptadas para o rádio, o cinema e a TV. A série literária é a terceira mais lida na história. Perry Mason surge já como advogado, e é assim que ele se apresenta na série de televisão exibida entre 1957 e 1966, na qual foi interpretado por Raymond Burr. Burr voltou a interpretar o personagem em 26 filmes feitos para a TV entre 1985 e 1993, quando faleceu. A versão de 2020 seria, por isso, uma “prequel” ou história de origem de um dos mais sagazes advogados da ficção.

Raymond Burr como Perry Mason

Vários acontecimentos são retirados diretamente dos anos 1920 e 1930. Na primeira vez em que vemos Perry Mason, ele está seguindo o comediante Chubby Carmichael para obter evidência fotográfica do mau comportamento do ator. Chubby é uma referência clara ao escândalo que envolveu o comediante Roscoe “Fatty” Arbuckle no início da década de 1920. Irmã Alice é claramente inspirada na pregadora Irmã Aimée Semple McPherson, que já havia servido de inspiração para o filme A Mulher Miraculosa, feito pelo cineasta Frank Capra em 1931. Outros elementos da época presentes na série são a proibição da venda de bebidas alcoólicas e a crise econômica.

Assim, de certa maneira, a nova produção de Perry Mason serve como um espelho daquele tempo, mas traz também situações que poderiam ter acontecido hoje. O reboot traz assuntos incrivelmente atuais, e mostra que, ao contrário do que a maioria imagina, a humanidade não evoluiu tanto nas últimas décadas.

Sendo assim, uma mudança brilhante da série foi fazer do detetive Paul Drake, presente desde o primeiro livro de Gardner, um policial negro. Logo no primeiro episódio em que ele aparece, dois oficiais brancos desprezam a informação dada pelo policial Drake (Chris Chalk) e zombam dele por ser negro. A segregação racial é fortíssima, mas sabemos que não ficou no passado – tanto é que, na série de Perry Mason dos anos 50, foram necessárias três temporadas até que um personagem negro tivesse uma única fala.

Jonathan diz a Emily uma dolorosa constatação: às vezes, a verdade não importa se o poder do Estado, representado aqui pelo promotor de olho em um cargo político, já resolveu condenar o réu. Perry Mason diz também que a verdade não importa se não for possível prová-la – ou, para adaptar a frase aos nossos tempos, se ela for provada para um júri que não se importa com a verdade.

O que ressoa em especial na atualidade é uma frase repetida algumas vezes durante a série: “existe o que é legal, e existe o que é correto”. Dita numa ocasião por uma personagem lésbica que precisa esconder seu amor na Los Angeles de 1932, mais tarde a frase é repetida pelo próprio Perry Mason, a frase pode ser vista como um incentivo à busca incessante por justiça – ou, de maneira mais simples, uma celebração da capacidade de Hollywood de contar histórias que, mesmo desagradando alguns, valem a pena ser contadas por sua atualidade.

Cotação: Épico (5/5 estrelas)

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