Um Deus havia decaído de seu posto e perdeu o plural e tornou-se eu. Não há desterro maior do que o eu vagante – viajante pelo litoral de um não lugar. Deus amou uma imagem de uma flor, cuja beleza era sair de um pequeno lago ali perto de Salvador. (lago é mar represado) – sal mágoa, mal guardada.
Mas há sal no mar, como há saudade no amar, mesmo que o amor vire lago ou mágoa ou lagoa fronteiriça. As coisas represam em círculos.
Uma narrativa é uma represa com suas margens brancas que adentram a negrura dos personagens – este corpo de texto que é uma terra negra, uma mancha tipográfica a preencher margens ou abarcar uma história.
leitores,
estamos presos na margem desta história ou vida, seria por acaso ela uma embarcação quando tempo bom, navega, quando não, deriva?
Começa em mar seria uma solução para o não naufrágio. Porque temos tanta água dentro, porque expelimos tanto suor salino? Terra não possuímos, somos feito de pele- vísceras – sangue.
Começa em mar da escritora Vanessa Maranha, (editora Penalux) uma narrativa de laços e de terras que se diria irmãs, traduzidas pelo mesmo idioma, com acento ou sem prosódia. Vanessa tece uma narrativa neste seu belo romance falando sobre o existir com ou sem vida (parelha) a vida presente que se ganha quando tudo está ok. A existência terrena, comezinha, apequenada, trazida pelos nãos do desejo não concedido, quando homens azucrinam. Antes o deslinde de Alice, de sua família portuguesa, hábitos de um pai-país colonizador. Os personagens de Vanessa parecem querer uma saída para o mar. Vontade de metamorfoses de escamas de largar guerras (masculinas) por guelras. Talvez uma saudade salina de um porto que não é tanto físico, mas um tanto emocional, tipo porto seguro.
Poderia falar de uma temática de gêneros que permeiam as relações entre os homens e a mulheres do romance, como Hortência, Jordana e Marta. Há sim uma certa amplificação materna, não gerando homens-machos, pois estes são barcos à deriva. E são âncoras do desterro. Mas sim, homens como Joaquim, que aprenderam a fantasiar a perda, a ausência do apego. Como Caio que colou sua imagem à mãe renegando uma masculinidade degringolada, ou farsesca.
Toda a narrativa está alicerçada numa espécie de balé marítimo, o ritmo do texto obedece ao volteio de uma embarcação no mar, prosódia da nuance de imagens lindas como dança polimorfa palavras corpóreas e poéticas, com um trabalho magnífico de linguagem, uma tapeçaria barroca e expressionista.
O livro tem um fio condutor, no caso a água em sua forma mais volúvel que é do mar. Mas há magnificamente bem urdido uma rede ou trama de conflitos de não ditos ou interditos que a autora vai entre cozinhando e temperando até o final quando azeita como um bom tempero baiano, soluções de uma poética encantadora.
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