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Segunda temporada de My Brilliant Friend mantém a primazia da obra de Elena Ferrante

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Uma das mais impactantes e influentes obras literárias da última década está de volta à tela da televisão. A segunda temporada de My Brilliant Friend retoma de onde a primeira termina: do casamento de Lila (Gaia Girace). Baseada no segundo volume da série napolitana, intitulado “História do Novo Sobrenome”, esta temporada traz sofrimento, conquistas, traições e desafios para as amigas Lila e Lenù.

Lila ganha um novo sobrenome, se transformando na senhora Carracci após seu casamento com Stefano (Giovanni Amura), por quem não parece nutrir uma forte paixão. Ele, um homem bruto da sua época, quer fazer tudo como a sociedade espera: casar-se com uma virgem, ter filhos logo. Ele perceberá que cumprir essa listinha da vida será difícil com Lila ao seu lado, e usará da força bruta em alguns momentos. A noite de núpcias de Lila é uma das cenas mais dolorosas da série, e infelizmente o que aconteceu com ela, que então sequer tinha o nome de estupro marital, também foi vivenciado por milhões de mulheres da época e era visto como algo “normal”.

Lila é desejada por muitos homens, mas amada verdadeiramente apenas pela amiga Lenù (Margherita Mazzucco). Para garotos como Nino, Lila apresenta uma ameaça, pois sua inteligência é intimidadora. Lenù também enfrenta problemas por causa de seu gênero, que vão do assédio no transporte público ao desprezo de um professor, que diz que ela estaria dando “um passo maior que as pernas” se decidisse seguir carreira acadêmica – ele não diz explicitamente que é uma desvantagem ela ser mulher no meio acadêmico, mas fica claro que ele a considera menos por causa de seu gênero. Outro problema que Lenù enfrenta é sua origem humilde, que a faz ser menosprezada na academia e, por ter continuado estudando, a faz ser alvo de risinhos e fofocas ao voltar ao bairro simples de Nápoles.

A ambientação da ação dos anos 60 cria muitas oportunidades para debate sobre as mudanças que vimos. Por exemplo, o relacionamento abusivo a que tantas mulheres eram obrigadas a se submeter por causa de convenções sociais e falta de outras opções de subsistência é o que absorve a existência de Lila quase por completo nessa segunda temporada. Lila pode apenas ser esposa e mãe, e com muita teimosia conseguir ainda trabalhar de vez em quando com o marido, enquanto para outras mulheres, e para a própria Lenù, a perspectiva de continuar nos estudos era restrita a áreas como educação e formação de professoras. Vindas do mesmo bairro, com a mesma idade, Lila e Lenù não seguem caminhos diferentes apenas por causa de suas personalidades distintas: elas também tiveram oportunidades muito diferentes.

A fotografia é, mais uma vez, deslumbrante, a começar pela abertura, que pega cenas dos oito episódios e as transforma em simulacros de filmes caseiros da época. Novamente temos excelentes cenários, contrastando pobreza e opressão com oportunidade e esperança. Há ainda a adição de muitas cenas praianas e coloridas em Ischia, onde Lenù passava o verão e para onde Lila também viaja agora, e de sequências em Pisa. A trilha sonora de Max Richter continua perfeita.

Nesta segunda temporada, Saverio Costanzo divide a direção com a brilhante e promissora Alice Rohrwacher. Depois do sucesso de crítica do filme Feliz como Lázaro, escrito e dirigido por ela, Alice ficou com a direção de dois episódios da série My Brilliant Friend, ambos ambientados em Ischia e, por isso, apresentando paisagens belíssimas. A irmã de Alice, a atriz Alba Rohrwacher, é a narradora da série.

Não podemos dizer que as atrizes, ainda adolescentes, Gaia Girace e Margherita Mazzucco, amadureceram em suas atuações, pois já eram perfeitas na primeira temporada. Elas, felizmente, mantiveram a qualidade de passar infinitas emoções mesmo com expressões faciais quase imutáveis, de uma Lenù usualmente triste e insegura e de uma Lila desconfiada e calculista. Além delas, outros dois destaques, com apenas uma sequência de impacto cada, foram Ulrike Migliaresi, como Ada, e em especial Giovanni Buselli, como Enzo.

Um dos trunfos da Tetralogia Napolitana é ser capaz de construir personagens verossímeis, que estão longe de ser perfeitas, e nossa identificação, ainda que velada, com Lila ou Lenù nos faz ver a obra toda de modo diferente. Estaria Lenù se comparando demais à amiga, por isso parece nunca estar completamente feliz? É Lila de fato manipuladora e gasta sua engenhosidade para fazer os outros sofrerem? Para essas e outras perguntas não existem respostas certas ou erradas.

Perto do final do último episódio, quando as amigas se despedem, Lila diz a Lenù: eu não quero perder você. E nós não queremos perder os próximos capítulos da saga avassaladora de Elena Ferrante.

Resenha: Épico 5/5 estrelas! 

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