Está atualmente em cartaz em diversas cidades do Brasil o Ghibli Fest, uma oportunidade única para ver clássicos e sucessos mais recentes do Studio Ghibli na tela grande. Um dos filmes em cartaz é o dilacerante “Túmulo dos Vagalumes”, sobre crianças na Segunda Guerra Mundial. Tipo semelhante de drama era esperado num outro filme sobre o mesmo tema e contexto, mas “Totto-Chan: A Menina na Janela” envereda por outro caminho e escolhe uma maneira distinta de partir o coração do público.
Tetsuko, apelidada de Totto-Chan, é uma menininha indisciplinada e tagarela que precisa mudar de escola por conta de seu mau comportamento. Na nova escola conhece Yasuaki, um garotinho com deficiências causadas pela poliomielite. A escola tem vagões de trem servindo como salas de aula, uma piscina na qual os alunos nadam nus e um diretor para lá de moderno, chamado Kobayashi.
Totto-Chan faz de tudo para incluir e integrar Yasuaki nas brincadeiras, atitude que leva às lágrimas a mãe do menino, que pela primeira vez está brincando e se sujando como as demais crianças. Apesar de ouvir uma reprimenda do diretor para a professora, Totto-Chan não tem grandes problemas: é uma menina feliz. Mas lá vem o trem da História, implacável e em alta velocidade como sempre, para um choque de realidade.

Os eletrodomésticos denunciam que a história se passa no passado, mas já havíamos sido informados disso no começo, quando um escrito na tela situou a trama no início da década de 1940. Até a primeira metade do filme, ele poderia ter se passado em qualquer época, mas o contexto nos traz a tragédia da segunda metade, quando é declarada guerra no Pacífico.
De repente, tudo muda. O uso de roupas chamativas deve ser evitado. Acessórios ocidentalizados, como anéis, também. Há racionamento de comida para a população em geral para que “os soldados possam comer coisas gostosas”. O bilheteiro na estação de trem e o varredor de rua não estão mais lá: foram convocados para “servir à pátria”.
Por vezes Totto-Chan nos irrita, é mimada e faz birra. Na sua conversa inicial com o diretor, muda de assunto a todo momento e não consegue parar sentada. Teria nossa protagonista o diagnóstico de TDAH? Como aconteceu com vários distúrbios, as meninas e mulheres, ao longo dos anos, foram sub-diagnosticadas, e talvez hoje Totto-Chan tivesse um laudo dado na infância. Isso não importa realmente no filme, mas é curioso pensar nas razões para o aumento destes diagnósticos.

Técnicas de animação diversas da tradicional são usadas em sequências pontuais de beleza poética inegável, como na aventura de aprendizagem de Totto-Chan em seu primeiro dia de aula ou no mergulho leve de Yasuaki. Mas a todo momento a animação preza pela primazia e riqueza de detalhes, por exemplo, nas juntas mais rosadas dos dedos e nos joelhos ralados das crianças traquinas. Vale destacar aqui que o design de personagens no filme ficou a cargo de Shizue Kaneko, que trabalhou em “A Viagem de Chihiro”.
Precisávamos de mais um filme tendo de fundo a Segunda Guerra Mundial? Provavelmente não. A tag “World War Two” no site de cinema IMDb está presente em quase dez mil filmes, e mais dezenas se juntam a estes todos os anos. Precisávamos de mais um filme sobre a guerra pelo olhar de uma criança? Também é provável que não. Mas daí vem a surpresa: a época dos acontecimentos foi escolhida como os anos 40 porque se trata de uma história real. É a infância de Tetsuko Kuroyanagi que está sendo contada nas telas. Famosa por um talk show no Japão, a Tetsuko da vida real é embaixatriz da UNICEF e seu livro de memórias já vendeu mais de 25 milhões de cópias.
O diretor Kobayashi, no filme, diz que emoções fortes merecem ser vividas, afinal não adianta “ter olhos e não conhecer a beleza”. Que o cinema japonês continue nos entregando belezas.
NOTA 10 de 10












