Nos últimos tempos, vi uma série de filmes brasileiros que tinham algo em comum: suas tramas eram costuradas por encontros entre personagens diferentes que, uma vez juntos, modificavam uns aos outros. Ora, o cinema é a arte do encontro, e mais ainda é verdade essa afirmativa para o cinema brasileiro.
Minha sequência de visualizações começou com a revisão de “Cabra Marcado para Morrer” (1984), sobre o encontro de Elizabeth Teixeira com Eduardo Coutinho em dois momentos, e, no então presente, o planejamento do reencontro dela com seus filhos, de quem teve de se distanciar para não ser perseguida pela ditadura civil-militar.

Seguiu-se o filme mais recente da minha sequência, “Mais Pesado é o Céu”, de 2023, do multitarefas Petrus Cariry, que já conhecia de “A Jangada de Welles”, sobre o – vejam só – encontro do cineasta Orson Welles com um jangadeiro que se tornaria seu objeto de interesse num filme maldito. Em “Mais Pesado é o Céu”, os estranhos que se encontram são Antônio (Matheus Nachtergaele) e Teresa (Ana Luiza Rios). Ele vinha de uma carona em um caminhão de gado, ela também pedia carona na estrada, ambos com um destino em comum: a represa que um dia já chamaram de casa. Ele a encontra logo após ela ter pego um bebê abandonado e decidido chamá-lo de seu. Acabam virando um tipo de família.

Em “Cinema, Aspirina e Urubus” (2005), é novamente uma carona e uma estrada comum a percorrer que une nossos personagens: o comerciante alemão Johann (Peter Ketnath) e Ranulpho (João Miguel). O estrangeiro leva um filme de propaganda pelos rincões do país, vendendo aspirina, grande novidade naquele ano de 1942. E a ambientação de época importa: logo o Brasil declara guerra à Alemanha e nossos dois novos amigos têm que decidir que caminho seguirão.

O recorte temporal também merece ser levado em conta no filme que se seguiu na maratona, “Tatuagem” (2013). Nele, Clécio (Irandhir Santos), artista da trupe Chão de Estrelas, conhece o soldado aquartelado jovem e inexperiente apelidado de Fininha (Jesuíta Barbosa) e os dois começam um tórrido romance que mudará os rumos da vida de Fininha. O filme se passa nos últimos anos da década de 1970 e a repressão ainda em curso da ditadura civil-militar é um assombro constante, embora nunca mostrada de fato. Mesmo assim, os artistas vivem o que a turma de Leila Diniz chamou de “desbunde”: liberdade de atitudes e amor livre.

E a maratona chegou ao fim quando um paraibano encontrou um bissau-guineense. Foi em “Corpo Elétrico”, de 2017, numa confecção de roupas femininas que Elias (Kelner Macêdo) conhece o novo funcionário imigrante Fernando (Welket Bunguê) e, interessado, se aproxima dos demais colegas de trabalho. A relação dos dois não floresce como nos outros filmes, mas aí mora a beleza: nem todos os encontros precisam gerar a intersecção de histórias, algumas trajetórias simplesmente se tangenciam e tá tudo bem.

A arte do encontro se faz sentir no cinema brasileiro quando os destinos de personagens se cruzam, por exemplo, num road movie como “Mar de Rosas” (1977). Ou quando sua alma gêmea literalmente bate à porta, como em “Todas as Mulheres do Mundo” (1966). Ou em muitos outros momentos desse cinema rico que temos o orgulho de chamar de “nosso”. Basta lembrar um dos maiores filmes da nossa história, também sobre um encontro fortuito: “Central do Brasil”, que não por acaso abre essa breve lista.









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